quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Na imobilidade do olhar

Está doente
o poema. De pálpebras fechadas
convoca a melancolia das nuvens
e fala do silêncio como um refúgio.
Um zumbido de memórias
redemoinho interior
a sonhar-lhe as palavras que expliquem
os pássaros que envelhecem amarrados
à extremidade do poente.
Dói-lhe a palidez do tempo
que atravessa as ruas despidas de pólen.
Na alucinação do sol
prepara-se para o voo da noite
ao lugar onde as veias se fundem
na imobilidade do olhar.


BL
21.12.16

sábado, 3 de dezembro de 2016

O monólogo do vento

Inventaste um rosto para apagares
o cansaço que alastra na noite
em teu redor.
Nenhum eco cresce das horas
que acendem um mundo
fora de ti.
Estilhaças o tempo
em sílabas inertes
ínfima constelação de pontos imóveis
paredes nuas de uma casa desabitada.
Onde procuras a tua sombra
ou a voz da inocência onde já não existes.
A noite toca o teu corpo sufocado num silêncio
de pássaros encarcerados.

E eu escrevo o monólogo do vento.
A evocar o teu nome
dobrado sobre a distância imponderável
de um opressivo deserto atravessado de medo.

BL
03.12.16

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Por detrás da chuva

Longe de um tempo branco
comprimes o teu corpo de cinza
contra um céu vazio
uma bruma a derramar formas indefinidas
de solidão.
Dentro de ti
paisagens inacessíveis
a atravessarem-te a pele.
Fechas as pálpebras e perdes-te
em imagens
a procurares uma saída.
Estendes a mão para um nome imaginário
e julgas tocar a perfeição
[ a corroer a tua lucidez ]
O silêncio a arder-te sobre os ombros
curvados pelo tempo. Crepuscular e plúmbeo.
Nos teus olhos
a chuva a diluir um gesto de pássaro.
Ou de árvore.
Como se no teu sangue
enterrasses as raízes do esquecimento.

BL
24.11.16

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Caiu-te aos pés um poema

Escondias nos bolsos as mãos
nuas
os olhos presos num horizonte
a recuar a recuar até ser

a indefinição de um ponto.
Choviam em teu redor folhas
em branco

aves caídas do vento
a deslocar-se sobre raízes inanimadas.
Numa intermitência das águas

caiu-te aos pés descalços um poema
fulgurante.
Subiste-o
degrau a degrau

e no teu lugar de silêncio

descobriste-lhe as linhas
esguias.

Palavras de vidro a conterem
insignificâncias.
Uma caixa cheia de abstrações.

E tu
de mãos nuas e pés descalços

no teu lugar de silêncio

medes os passos e escreves nomes indecifráveis

no reverso do poema.


BL
16.11.16

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

De outros tempos

Um dia hei de talvez
saber explicar o insustentável gesto
em que o longe se desdobra.

Cega-me a lucidez do silêncio
nas entrelinhas das palavras em que
desarrumo os pensamentos
para atravessar o horizonte

[ poema de aves a construírem os ninhos ]

como personagem de um filme
para sempre adiado.

Lugar de paisagens antigas onde a luz
principiava.

Tempo
que já não me cabe nas mãos.

BL
07.11.16

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Os teus olhos a chegarem devagar









Num gesto mal dormido
apoiei na mesa o tempo da espera.

Os teus olhos a chegarem devagar
em dia de azul-cinza.
O silêncio dissolvido em frases incompletas.
A manhã atirada
contra a expectativa dos dias.

E os teus olhos
em dia de azul-cinza.

Depois, os teus passos nítidos
a morrerem vagarosamente no vazio absurdo
que gelava todas as coisas
que deixavam para trás.

E eu alheada de mim
e os meus olhos presos deslumbrados
e a rua a correr em sentido inverso
perdida na neblina.




BL
03.10.16



domingo, 25 de setembro de 2016

Setembro no teu rosto

Olhamo-nos fixamente
a sentirmo-nos indefesos por dentro
da limpidez do olhar.

As mãos a procurarem
marcas de uma verdade moldada
num clarão que rasgou o corpo

e eu impreparada
para o estranho rosto do silêncio.

Porque tudo gera silêncio
à nossa volta

aves pedras vento
e as palavras são meras conjeturas mastigadas.

Frente à casa
as árvores da memória
pilares daquele tempo em que a luz

se estende e desloca para o sono da terra a brevidade
das folhas mortas.

Olhamo-nos fixamente. E sob setembro a decair
cai a sombra no teu rosto
como um espelho. Como um espelho.


BL
24.09.16

sábado, 10 de setembro de 2016

Era uma vez o tempo...



Rodavas sobre o teu eixo
num esforço circular para não
atravessares a verdade.
Tinhas o tempo parado na distância
e o sorriso
entre sílabas náufragas e rituais de ausência.

_ Era uma vez o tempo...

e ainda assim
segui o corpo do vento
a guardar sombras no coração das aves
e a entranhar a luz no exílio do teu olhar.

_ Era uma vez o tempo...

e a minha voz a
tropeçar na face magoada do verso
quando a tarde era somente
uma página
nas minhas mãos.

BL
10.09.16


sábado, 27 de agosto de 2016

Na inclinação do tempo

A pedra a decair
na inclinação do tempo.
Ao fundo da solidão uma neblina espessa
chamamento de silêncios e memórias.
Da lonjura de nomes incertos
uma rua a crescer
serena e branda
como se sonhasse margens improváveis.
Há trevos de quatro folhas
e pétalas de sílabas brancas
sobre os ponteiros do crepúsculo.
Deixo-me tocar pela ilusão da árvore de passos inquietos.
Sabe de um lugar
onde a pedra sobrevive
na soleira do esquecimento.

Tudo o resto é monólogo
é deserto
no que fica por dizer.

BL
27.08.16

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Moinhos de vento



Deslizávamos por um fio de palavras irreversíveis.


A morte

diziam uns.

Renegação

gritou aquele



que procurou refúgio no interior

do silêncio.



Levámos connosco a chuva de um tempo

que permaneceu

ausente

dentro de nós.



Vivemos mil vidas e



longe de um fio de palavras irreversíveis

desfiámos as frases que ficaram por dentro dos olhos

paradas

a olharem para trás.



O acaso e os afetos a moldarem-nos lugares

em barro de encantamento.



Desenrolámos as veias do tempo



e o verde de uma teia de luz a entrançar dedos indefiníveis

em folhas de impressões digitais



e moinhos de vento.



B

24.08.16


domingo, 14 de agosto de 2016

Ser corpo e lugar

Os violinos da tarde a gemerem
um tempo líquido
transparência verde
e infinita
lugar levíssimo a permanecer dentro da pele.

Como um eco sentado à beira
das águas que correm
voltar a ser espiral
de palavras antigas num coração de memórias
onde cabemos corpo.

Reter a dimensão do silêncio na placidez
do olhar
sem procurar as incertezas
da voz
ou a exaustão da luz
nos pássaros do poema.

BL
14.08.16

sábado, 30 de julho de 2016

Silhuetas

Não nos consentimos
no que imperfeitamente somos
nem deitamos fora
os rostos sem voz.

Soletramo-nos em silhuetas mergulhadas num tempo
escuro e inabalável.

Em cada fio de palavras
teço a luz
que arrefece
e me arrasta à boca do silêncio.

Ausência indecifrável. Árvore a adormecer
no tremor dos ramos.

Cinge-me um vazio no horizonte
uma solidão pesada
que antecipa a densa noite
ou os nomes adiados
em que as coisas sobrevivem.

BL
30.07.16

terça-feira, 26 de julho de 2016

A cidade envelheceu

Mas há ainda a pedra solta que fui

[ irrecuperável corpo solar ]

repartida entre céu e terra
quando mais do que o tempo
a vontade podia.

Intuí

[ tarde em demasia ]

a infertilidade dos dias
no circular movimento
do abrir e fechar
de paredes nuas.

A cidade envelheceu
nos troncos gastos das árvores

e há ramos a desistir
a desistir

um outono de silêncios

e a claridade nas veias
a luz
outras ruas

outras ruas
que me procuram.


BL

quarta-feira, 20 de julho de 2016

O lado errado das palavras

A distância a cair do teu olhar. Atravesso-a
sem rede
com o apelo de antes pendurado nos lábios.

Bastava-me decifrar o gemido da luz
no lado errado das palavras.

Mas existem gestos desmesurados
e absolutos

soluços do tempo
no acerto das vozes à hegemonia da noite.

Pouco a pouco
apercebo-me da vertigem da pedra.

Ao nível do chão
cega-me a visão do sol. Deixas-me tocar
os teus olhos breves. De neblina.

O teu corpo
transitório
povoado de incertezas. Recolhido na distância.

BL
20.07.16

sexta-feira, 15 de julho de 2016

A minha pele submersa em silêncios


Não tenho como soltar dos meus olhos
as amarras de um tempo
pendurado em horas encharcadas de pássaros
e de mar
e de movimento.

Sigo o trilho das gaivotas
que transportam a luz nas nuvens da manhã
mas a noite continua a arder
e o tempo recusa-se a nascer
disperso em esquecimento.

E a minha pele submersa em silêncios
e as palavras desfeitas em infinitos grãos de areia
levados pelo vento
e os dias estilhaçados na mesmice dos espelhos
dormentes
a escorrerem pelo verso
lentamente
em gotinhas de solidão.


BL

No cansaço do verso

No cansaço do gesto
a urgência de um tempo
por dentro dos olhos
a olhar-me por inteiro ao fundo da imagem
imprecisa e gasta.

No cansaço das mãos
a urgência de um espaço
por dentro da árvore
a sentir a sombra que me veste o corpo.

No cansaço do verso
a urgência da voz por dentro da sílaba
ou o sopro do vento no voo da palavra
mansa ou triste
que o indizível encosta ao silêncio.

BL
15.07.16

domingo, 10 de julho de 2016

Depuração

Instantes vagarosos
quase eternos
corporizam o oásis da palavra.

Num esforço de mobilidade ascendente

[ como um diálogo em que a depuração das sombras
se entranha na palidez da folha ]

releio a absorção do mundo
a luz avança

e retrocede

levada pelo fogo lento e frágil
em que a vida se consome.

O tempo suspenso
nos ramos que atravessam o vento.

Súbita harmonia
dentro do meu olhar insuficiente.

E no cerne da alma
múltiplas vozes em íntima polifonia.

BL
10.07.16

sexta-feira, 24 de junho de 2016

A dança dos sonhos

Reinventar no verso a raiz
de um tempo vagaroso
demorado.
Dele fazer memória
como audível silêncio
partilhado.

Dar voz à utopia
estender os braços à claridade das palavras
desdobrar esquecimentos
em invisível movimento
metamorfose da luz que me liberta.

Como se a vida fosse um rio
a correr em direção ao sol
roupagens de esperança
círculos concêntricos de partidas e descobertas.

A dança dos sonhos
gestos de dentro perdidos nas esperas.

BL
24.06.16

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Sombras de nós



Quando a cidade se faz silêncio
e o olhar uma paisagem de outrora
as marcas exibem histórias
e
de súbito
sentimos que somos grito adormecido.

Ilusória cosmética em que nos abandonámos.

BL
23.06.16

sábado, 18 de junho de 2016

Tardia



Chego tardia àquilo
que sempre fui.
Curso de rio traçado
na fluidez de águas inquietantes.

Ergo o poema em palavras inibidas
a descerem de tempos inocentes
ou desenho pássaros no olhar resignado
de uma voz distante. A falar
de portas abertas à lucidez de um nome
que partia devagar.

O silêncio a percorrer mapas de escuridão. Sombras indecifráveis.
A solidão dos rostos que não atravessaram
a linguagem dos muros.

A luz refratada
refletida.
A luz a acontecer
num tempo muito longe daqui.

E eu a chegar
tardia.

BL
18.06.16

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Desmemória de [os] deus[es]

O meu olhar de terra
preso ao gesto.
Ao esgar de dor
que sobe a estrada
lento lento.

Terra ventre árvore
perdida de folhas
e de pássaros
seca
de esperas
e de tempo.

Idade
de todas as idades
abraça o ramo
único
que lhe sobra

e o ninho
onde a alma
exausta
segura o fio de luz em que
um dia
escreveu sementes.

O meu olhar de árvore
preso ao gesto.
À mansidão do amor
que vai além da fé
e já não teme a morte.

Sobra de tudo
o gesto
que não pede nada.

BL

terça-feira, 7 de junho de 2016

Hoje

Com os olhos puros e águas calmas
estender a duração da cor
deixar ir o coração
no silêncio da lágrima.

Não virar páginas em vão
compreender a estrada
ver a luz mais longe
reajustar os pontos finais.

BL
07.06.16

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Tons de terra

Poder explicar as formas densas
que caem das paredes. Tons de terra
a estenderem as raízes das palavras.

A luz
a atravessar as poeiras do silêncio. Partículas
invisíveis a mancharem de penumbra

a folha que seria imaculada. O aroma limpo
da magnólia a transportar um sorriso em fuga. O tempo

doce. Adormecido. No interior
dos afetos mais generosos e sinceros.
A leve respiração do amor.

Os teus olhos de avelã
mãe
a serem o fio de voz
que me segura o olhar.

BL
02.06.16

domingo, 22 de maio de 2016

Leves são os cardos








Escrever superfícies de prata

onde correm fragmentos das minhas mãos


a formularem sombras

ou sementes imbuídas de esperança.


Sonhar ainda palavras suspensas

em janelas de primavera


ou a cor de uns olhos

em que o tempo se perdeu.


Se ainda me levassem

as marés

pelas nascentes


e as estradas quase sempre

pólen de lua cheia

e horizontes abertos sobre o mar.


Se ainda fosse um rio

a luz

que se abre todos os dias.




BL

22.05.16





domingo, 8 de maio de 2016

A noite que choveu insónias


Desarrumar metáforas
subir à tónica da palavra
abrir janelas a jardins de luz
e de vento

banir do poema as brumas intocáveis
da noite que choveu angústias
e insónias

[ movimentos circulares em areais vulneráveis
ausência amarga
a acender urgências ]

Sonhar brilhos de espumas
na rebentação das ondas

quebrar solidões
com relógios de sol
e panos verdes.

BL
08.05.16


sábado, 7 de maio de 2016

Maio

Resistir às águas que
de dentro para fora desassossegam as horas.

[ trajetórias sinuosas
em volta de inquietudes desabitadas ]

Acordar mais além
mais perto de si mesma
como abrigo do sol
onde tudo recomeça.

Descobrir no cântico das árvores
o vento dos sonhos
caídos da invernia dos versos.

Esquecer silêncios em turbulências
desertas

ser palavra viva
e fresca

sem nuvens por perto.

BL
07.05.16

A convulsão das palavras

Lugar polícromo
sopro ou miragem
onde encosta a convulsão das palavras.

Caminha em círculos
sem princípio ou fim
sem limites
em torno de uma desesperança.

O silêncio.
Que se pode sobrepor ao zumbido do frigorífico.
Ou ao da arca frigorífica.
Ou aos estalidos das madeiras.
Ou às quedas dos pequenos objetos que caem ao chão
no piso de cima.

O silêncio.
Que pode ser um silêncio limpo
muito quieto
por baixo de um véu de chuva miudinha.
Música pura
dentro do pensamento.
Ou o pensamento a sorrir.

O silêncio.
Que pode ser um silêncio feroz
a vir do interior do pensamento
a latejar -lhe dentro dos ouvidos.


BL