terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A tranquila idade dos poentes

E os dias a vaguearem pelas ruas
desertas de um labirinto onírico em constantes
mutações de sombra e luz
onde a esperança se levanta entre o sobressalto
da penumbra.

Dizem-me vozes sensatas que é preciso
que os dias sorriam
e as ruas sejam iluminadas

e que é preciso amar os mil sussurros
mansos que compõem o silêncio.

Um dia saberei talvez sonhar as asas
das gaivotas
ou o diálogo dos poentes de fogo.

Hei-de saber atravessar a luz
onde o teu nome repousa.

B.
11.12.18

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Outubro

Chegou o tempo de um mar
imenso

de que não sei o nome.
Perdi os contornos dos dias

e tudo se espalha
nas fendas do deserto.

Ventos em fúria fecham janelas
que haviam prometido sementes

e não existe terra de onde
se avistem luzes acesas

nem lugares nas mesas
em torno dos campos.

Tudo é distância
ou atalhos cruzados

e a palavra
confusa

a esquecer os significados das cores.

Tudo é poente
e o azul estremece na penumbra da árvore.

B.
04.10.18

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Em redor dos traços que nos ficaram

Construiste pontes
traçaste linhas
no interior do silêncio.

 [ Havia um pássaro
a reclamar-te tempo ]

Um sopro uma imagem
uma ideia [ ideal ]

um caminho escondido
um lago ao fundo de um bosque

uma casa a flutuar
no meio de um lugar.

Em redor dos traços
que nos ficaram.

 [ Mas tu vestias o hábito
da servidão ]

Sem certezas perdemo-nos
da clemência do tempo.
Não distinguimos um único cais
na névoa do abandono.

E a paisagem forçada
a fugir
diante do meu olhar ausente.

BL
17.08.18

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Somos feitos de barro

Ouço o teu nome pronunciado
e as minhas mãos estremecem. Atravessam
a indefinição dos contornos
os fascínios indizíveis.

A sedução da luz. E a linha trémula
a perder-se no interior da penumbra.

Somos feitos de barro.
Enquanto a praça adormece
e as vozes dos muros permanecem no sorriso dos deuses.

B.
13.06.18

sábado, 2 de junho de 2018

... e as árvores amanhecem

Carregamos nos ombros nomes e lugares
que entregámos ao silêncio. Neles
deixámos as verdades de olhares que se cruzavam
e memórias da cintilação de um estio.

Porque hoje já não existe claridade que se anuncie
dentro da sombra que a alma respira.
Para sacudir a noite
e deixar fluir a voz quebrada.

Olho as árvores a amanhecerem
e repouso os olhos cansados.

Porque hoje já não existe um tempo que atravesse
o equilíbrio da luz
e sorva a agitação do vento
a habitar-nos as mãos.

B.
01.06.18

domingo, 27 de maio de 2018

Entre o sol da meia tarde

Mil vezes regressaste
pegando numa emoção
a decifrares-te como um fruto maduro.

Por dentro das palavras adiadas
um espaço vazio

ocupado agora pela tua presença.
Do fundo do tempo

[ do fundo de ti mesmo ]

trazes a música das lembranças
talvez uma canção de embalar
a passar entre o sol da meia tarde.

Linha tardia a unir o passado e o presente.
As mil vezes de cada palavra
carne viva de pontes que permanecem a olhar as águas correntes.

A vontade de ser sonho.
A urgência de ser gesto. De ser vida neste azul que me aquieta

ora árvore
ora pétala.

BL
27.05.18

terça-feira, 8 de maio de 2018

Refração

Remanesce a história que (de) compões
em silêncio.
Sabem-te palavras desabitadas
que te morrem no interior dos olhos
porque não é o teu
este espaço que guardaste da vida

[ como se fosse a brisa doce do poema. ]

Desenrolas novelos de tempo
enquanto atravessas pedras de ilusão.
Uma e outra vez sacodes o sal em que
envelhece o dia
e atiras um horizonte naufragado
para trás do esquecimento.

Reestruturas labirintos tingidos de memórias

a tua voz dentro delas

a tua alma a escutar a geografia do silêncio

quando existem palavras oblíquas a caírem
dentro da imensidão da página.


BL
08.05.18

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Por perto

Mas leio ainda nos teus olhos
sílabas feitas de renúncias. Como se uma
dor indizível ondeasse sob o vento da tarde.
E falas das sombras. E traças os riscos das solidões
a proclamarem o irremediável.

Sem verdades definitivas
recolhes nos dedos trémulos
os sinais ilusórios
que te chegam do outro lado do espelho.
Sobes à montanha
e reinventas destinos
a casa
a ideia.

Ardem-te mil rostos
em pedacinhos de claridade
a acompanharem-te como sombras.

Mas recusas os vultos e as vozes
num espaço de névoa que deixas
parado no tempo.


BL
16.04.18

sexta-feira, 16 de março de 2018

Se ainda nos violinos do vento...





Cobres-me de equações distorcidas
num adeus precoce
às pétalas delicadas
que se enchem de primavera
nas memórias que desenterro e este sol
quase perfeito
me faz passar entre os dedos.
Se ainda nos teus olhos
cintilam os nenúfares das tardes
que vêm de um outro tempo
dissolve o teu silêncio
nos violinos do vento
deixa que a minha mão agarre
a tua
e que o movimento
dos girassóis
te aponte
o caminho de volta
ao horizonte
da nossa rua.





BL

domingo, 4 de março de 2018

A parede em ruínas

São pedaços de nós
prolongamento dos nossos passos.
Voam por dentro do tempo
enquanto procuramos um olhar
na voz incerta do regresso dos pássaros.
Acordam nomes e rostos
que nos sagram os lugares e encandeiam
os crepúsculos.
Visão incendiada onde sobrevive
a velha ponte atravessada por enigmas e silêncio
na orla das orquídeas
que vivem no poema.

BL
02.03.18

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Na lucidez da noite

Atravessar círculos concêntricos de ventos
e de escuridão.
Escutar a pulsação do silêncio
e a solidão
na oscilação das árvores.

Olham-me paredes em branco
e as ausências sobram-me
nos espaços de formas
arbitrárias

preenchidas por linhas imprecisas
quase indecifráveis.

E ao mesmo tempo
o peso do puzzle a espartilhar o pensamento
a dor acostada ao gesto adormecido no refúgio da noite.

A casa adiada. A pedra inocentemente
perdida na inclinação da vertigem.

Ou na migração das manhãs.

BL
11.02.18

sábado, 3 de fevereiro de 2018

A exaustão pendurada no rosto

Estar na beira do sopro e estender a palavra
para além do tempo.
Entre a superfície lisa do esquecimento
e a resistência da pele
a amaciar a queda. A contornar os extremos
em desequilíbrio.

Outras vozes. A sugerirem poeiras
indefinidas
histórias de que não existem vestígios.

A espessura da memória
para além do tempo.
A materialização do vazio
no silêncio da paisagem. O fôlego improvável.

Como se a exaustão
pendurada no rosto fosse a última
coisa de vida.
Para além do tempo.

BL
03.02.18

sábado, 6 de janeiro de 2018

Amor-perfeito







Quero ter-te nos meus braços
e ser o teu silêncio.

E num sopro inaudível
recolher o teu nome imaculado
nas águas limpas que correram.

Quero ser a crença
no coração dos dias que chegam.

BL
06.01.18