sábado, 30 de julho de 2016

Silhuetas

Não nos consentimos
no que imperfeitamente somos
nem deitamos fora
os rostos sem voz.

Soletramo-nos em silhuetas mergulhadas num tempo
escuro e inabalável.

Em cada fio de palavras
teço a luz
que arrefece
e me arrasta à boca do silêncio.

Ausência indecifrável. Árvore a adormecer
no tremor dos ramos.

Cinge-me um vazio no horizonte
uma solidão pesada
que antecipa a densa noite
ou os nomes adiados
em que as coisas sobrevivem.

BL
30.07.16

terça-feira, 26 de julho de 2016

A cidade envelheceu

Mas há ainda a pedra solta que fui

[ irrecuperável corpo solar ]

repartida entre céu e terra
quando mais do que o tempo
a vontade podia.

Intuí

[ tarde em demasia ]

a infertilidade dos dias
no circular movimento
do abrir e fechar
de paredes nuas.

A cidade envelheceu
nos troncos gastos das árvores

e há ramos a desistir
a desistir

um outono de silêncios

e a claridade nas veias
a luz
outras ruas

outras ruas
que me procuram.


BL

quarta-feira, 20 de julho de 2016

O lado errado das palavras

A distância a cair do teu olhar. Atravesso-a
sem rede
com o apelo de antes pendurado nos lábios.

Bastava-me decifrar o gemido da luz
no lado errado das palavras.

Mas existem gestos desmesurados
e absolutos

soluços do tempo
no acerto das vozes à hegemonia da noite.

Pouco a pouco
apercebo-me da vertigem da pedra.

Ao nível do chão
cega-me a visão do sol. Deixas-me tocar
os teus olhos breves. De neblina.

O teu corpo
transitório
povoado de incertezas. Recolhido na distância.

BL
20.07.16

sexta-feira, 15 de julho de 2016

A minha pele submersa em silêncios


Não tenho como soltar dos meus olhos
as amarras de um tempo
pendurado em horas encharcadas de pássaros
e de mar
e de movimento.

Sigo o trilho das gaivotas
que transportam a luz nas nuvens da manhã
mas a noite continua a arder
e o tempo recusa-se a nascer
disperso em esquecimento.

E a minha pele submersa em silêncios
e as palavras desfeitas em infinitos grãos de areia
levados pelo vento
e os dias estilhaçados na mesmice dos espelhos
dormentes
a escorrerem pelo verso
lentamente
em gotinhas de solidão.


BL

No cansaço do verso

No cansaço do gesto
a urgência de um tempo
por dentro dos olhos
a olhar-me por inteiro ao fundo da imagem
imprecisa e gasta.

No cansaço das mãos
a urgência de um espaço
por dentro da árvore
a sentir a sombra que me veste o corpo.

No cansaço do verso
a urgência da voz por dentro da sílaba
ou o sopro do vento no voo da palavra
mansa ou triste
que o indizível encosta ao silêncio.

BL
15.07.16

domingo, 10 de julho de 2016

Depuração

Instantes vagarosos
quase eternos
corporizam o oásis da palavra.

Num esforço de mobilidade ascendente

[ como um diálogo em que a depuração das sombras
se entranha na palidez da folha ]

releio a absorção do mundo
a luz avança

e retrocede

levada pelo fogo lento e frágil
em que a vida se consome.

O tempo suspenso
nos ramos que atravessam o vento.

Súbita harmonia
dentro do meu olhar insuficiente.

E no cerne da alma
múltiplas vozes em íntima polifonia.

BL
10.07.16