quinta-feira, 17 de abril de 2014

Reencontro


Fala-me agora de todas as vezes

em que habitávamos o pôr do sol

e só nós percebíamos o incêndio que ateávamos

para lá do véu dos sonhos.

Talvez demandássemos a luz de abril

ou as promessas de um sentir

em que os corpos amaduravam.

Olho-as daqui, breves e frágeis, as promessas,

imersas no nevoeiro das grandes distâncias.

No fundo, penso-as retidas num tempo

cuja morada se mudou.

Somente os ecos se mantêm

e os silêncios submersos nos rios que correram.

E as memórias

a fluirem nas veias de um poema

para que o tempo se reencontre,

habitável,

para além da eternidade.



BL

14.04.14

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Entre o sono e o sonho




Suspensa do teto, a noite em movimento
a mapear memórias
pelas idades dentro.

A retomar a construção
de fraturadas improbabilidades
alimentadas pelo clarão verde
de exígua chama
mar noturno
a deslizar
numa espiral de estrelas.

A emergir das águas infindáveis
em redemoinhos de rostos e incêndios

a galgar margens extasiadas
em minúsculos estilhaços do tempo.

A iluminar o sonho
na vertigem dos nomes gravados
na claridade da pedra.

E os meus olhos
longe
na lucidez do silêncio
sementes e uni_verso
no interior da luz.



BL





quarta-feira, 9 de abril de 2014

Regressámos ao silêncio






Regressámos ao fundo do silêncio. Não aquele silêncio

que tem por fundo

o ventre do arco-íris ou o verdejar dos pássaros.



Falo de um silêncio escuro, como

o luto

ou a dor. Ou uma flor

silenciada em tons de melancolia.



Os olhares não se tocam. Movem-se, às vezes,

como sobras de reflexos prateados

de um mesmo mar de solidão.

Dissolvem no ar os sonhos congelados do mundo.



Rostos amassados.



Ar dentro das mãos,

apenas.



Brígida Luz

terça-feira, 8 de abril de 2014

O mundo da lua


Caminho por entre luas lentas
como se o chão antigo
não me reconhecesse o nome.

Escavo memórias vadias
entre os pavios das insónias

semeio grãos de areia
nos interstícios do vento.

Sou uma aragem de criança
entre o desespero da chuva. E a seara
uma hora impossível

a rejeitar o tempo.

Sou a voz da pedra nua
quando atravesso as palavras

a névoa das reminiscências

a cegar de sombras gastas
a luz tua

distante guia

que apaixonadamente a noite amplia.




Brígida Luz

domingo, 6 de abril de 2014

Meto-me para dentro, e fecho a janela - Alberto Caeiro




"Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito.
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme."

sábado, 5 de abril de 2014

Como se nada mais se concedesse

Foto de Martin Marcisovsky

Sentar-se na extremidade do sofá,

olhando os olhares, como se

a nada pertencesse,

como se nada mais se concedesse

que o girar dos gestos,

sons caídos dos dias sós.



Ficar calada como a noite,

inventar barcos nas pontas dos dedos,

por detrás do imaginário das esperas.



Depois, sair do corpo,

transformar a noite em tempo,

ter trajetórias e cais,

rente às palavras eternas,

às árvores,

ao vento.



Brígida Luz