Esta vontade assim vestida
num tempo de gerânios encarnados
e os olhos mar de esperança
na claridade da vida.
Esta vontade de ser vento
grito despojado de culpa
murmúrio d’águas mansas
em raízes de linho.
Esta vontade em mim a crescer húmus
terra adentro
as mãos a aquietarem
a frágil semente
a rasgarem o absurdo
dos medos.
Esta vontade de ler
no teu olhar o mundo inteiro
esta vontade azul de ser árvore
e sentir-te voar.
BL
Como se as ruas fossem rostos de silêncio
sem portas sem janelas
e os passos se juntassem na inquietação da manhã.
Sei de mim a desordem do tempo
na epiderme dos dias
e o nada que resta dentro dos nomes
em que me desdobrei.
Tantas coisas se passam dentro da palavra
e nas mãos entorpecidas grades retorcidas
a esmagarem o verso
olhares indecifráveis
amarrados às raízes da noite.
Hoje sei de mim o sabor silvestre
nos lábios da memória
debaixo de sete palmos de terra.
BL
às vezes sobram-me espaços
entre a voz e o interior da luz
o corpo
indizível
entre musgos e espigas
e as mãos
imóveis
caídas ao longo do sonho
depois
a entrada do olhar
na anestesia dos rios
e a nudez da memória
em queda
cativa da noite
e das marés do tempo áspero
singrando esperas
no silêncio das aves.
BL