quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Desordenada.mente

Em boa verdade
eu não soube decifrar os signos
que me enviavas numa flor
ou numa pedra
ou num montículo de sementes

de onde destacavas aquela que
_ dizias_
talvez fosse minha
um dia.

Dizias-me palavras leves

[ às vezes lamentos de violinos ]

e os meus olhos despidos
a entrarem crédulos dentro do teu tempo.

O teu tempo.
Oculto num labirinto de fascínios e credos transitórios

cárcere de medos e silêncios
a estruturarem (des)afetos.

Sei agora de um equilíbrio volátil
consumido em marés vazias.

Quando deslizavas as mãos
pelas paredes comprimidas por uma imensidão
de verbos que te devoravam o passado

e te asfixiavam o futuro.

E tudo se atravessa nesta folha morta
nestes parágrafos
sedentos da intimidade de uma crença construída
em janelas viradas à claridade do Universo.

Este poema poderia ser uma prece.

Porque este poema é como um rio a fluir desordenadamente
é a fuga para além do olhar
para além do ruído que corrói os lugares
e os nomes
e a verdade do teu mundo intocável
onde o meu coração permanece.

BL
30.08.17

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Sob o silêncio



Quando o reflexo sufoca
no interior das raízes

a palavra comprime-se
repele-se
emudecida pela opressiva desconstrução.

Não existe fala
nem espaço
a apagar a memória dos naufrágios.

Fixamos na pele um sussurro do mar
a metamorfosear o voo baixo dos pássaros.


BL 
24.08.17

sábado, 19 de agosto de 2017

Muito além de nós


Espero encontrar-te nalgum lugar
em que o tempo nos tome. Em que
nos tornemos parte dele e o que sobre
de nós sejam apenas poeiras

muito além de nós
redimidas por longínquas sementes esquecidas.

Mergulhámos os pés nas águas que corriam

[ lembras-te? ]

redemoinhos de luz eram os nossos
lugares e tempo.

Por que arrasámos as pontes?

Por que empurrámos o silêncio
contra paredes de gelo?

São de pedras e de cinzas
de pássaros e de vento
os caminhos da inocência.

BL
19.08.17

Bon Iver


quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Philip Glass


A memória das árvores

Todos os meus dias regresso
ao arvoredo onde guardo as tuas mãos.

O tempo suspende-me os olhos
nos nomes que se esfumam perto
da linha noturna do entorpecimento
dos ossos

quando o sangue quer atravessar
todas as sílabas
de todas as palavras límpidas

e clarear a serenidade das vozes.

E a vastidão deste silêncio azul parece
estender os braços
à força mobilizadora das águas.

Não fora esta lonjura por dentro
das veias
e eu diria que

como se fossem um ínfimo
grão de pó

por entre os dedos me rolariam todas as pedras
atravessadas por sombras e imagens indecifráveis.

BL
15.08.17

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Os rostos das palavras



Atropelo-me
no asfalto das palavras doridas
que colidem
sem nexo
à procura da minha lucidez.
Palavras em ruínas
a sobreviver na nitidez
da sépia
a transportar em si
cada aresta da vida
cada pedra arremessada da montanha
em busca de uma trajetória de luz.

Palavras sem voz
a caminhar em círculos
com rostos lá dentro
sonhos
emoção
histórias carregadas de pontos de interrogação.

Palavras que são essência
a procurar o tempo de olhar as gaivotas
a abraçar o vento
a inventar pássaros nas sombras do mar
e deixar o silêncio voar.

Brígida Luz
13.03.12