quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Probabilidades

Depois podes dizer-me das águas
perfeitas onde a luz
se liberta.
Poderemos amar a flor que se abre
na terra nua

onde os novos significados se revelam.

Repara nas palavras diferentes
que agora são possíveis. Tudo contêm

como uma canção bem guardada em idades
que se perderam.

Seremos aqueles que foram resgatados
de um tempo bravio

de mágoa e de buracos que ocultavam
a sede brutal de um deserto.

BL
27.12.17

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Em letra pequena

Aprender a duração da tarde
sem que no vento
se suspendam as palavras.

Reconstruir o espelho
e
no alvoroço da espera

entrar por dentro do infinito
e recolher no tempo
as rosas prometidas.

As rosas prometidas.

Desfolhadas em sílabas
divididas em hemisférios
de neve e lava.

Uma história a nascer.

Ainda sem um ramo de mar
ou uma rua respirável.

Em letra pequena
mas com cheiros de planície.

E os rostos facetados
do silêncio e da nostalgia.

A escutar as vozes do indecifrável
a cerrar lentamente a luz
que se verte dos olhos

como um rio que não correu.


Brígida Luz

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

As margens nuas do meu rio

Chegam as neblinas
sem palavras e a brancura

derrama-se na manhã, convoca a melancolia
dispersa em cristais de pureza.

Sou viajante no vento
a rasgar o fecundo silêncio

que descortina o sentido de cumes e declives
entre a luz primordial
e teias de solidão.

Sorvo de um só trago
o afeto doce e quente de pensamentos

que ficaram cravados nos tempos por onde passei.

Neles me circundei de verdades e medos

e nos atalhos que entre eles nasceram
agora escrevo
as marcas de um sonho

que nos olhos transportou o desespero
e nos lábios ancorou um verde frio

e por pudor recuou
nas margens nuas do meu rio.


Brígida Luz

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Digo-te de nós

Digo-te ainda
de um tempo feito de luas transparentes
e anseios de abril


de um mar exato de águas repousadas
que me abrigava
na claridade dos teus silêncios


digo-te da sede
que em mim bebia o fogo das alvoradas
e acordava rituais
de sementes inebriantes.


Digo-te de mim

de olhos que ardem rios de sal
que não secaram o bastante
para respirar


da ilusão que afaga as incertezas
de uma rocha poente
e inventa remendos flutuantes
em margens transbordantes e desertas.

                      
Digo-me
a mim
de um tempo paciente
incompleto
em aberto    sem memória.



BL

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Urgência




Esta manhã é uma claridade cinzenta. Talvez por isso
sejam cinzentas
ou mesmo invisíveis
as sílabas que sobram
da ausência da voz.


Nos olhos
um insondável cenário de argila
a urgência de um afago do tempo
com o sabor transparente das palavras.


Tudo o que resta
são ecos exaustos das águas estáticas
de um mar desarticulado
onde reúnes a travessia do mundo
nessa densidade dispersa no centro de ti.


Mas p’ra lá das margens do corpo
existe ainda algum sol
entre o pousio das marés.


Na libertação do silêncio
quando as memórias tocarem as coisas simples
em que tu e eu éramos apenas nós os dois.


BL