terça-feira, 26 de abril de 2022

Nestas pedras pode estar um poema

 



Daquela janela,

que raramente eu escolhia,

eu via e ouvia

a cascata de pedras,

por onde se estendia

a luz colorida das margaridas-do-cabo.


E, naquele instante,

não mais eu queria

além de um tempo parado,

já agora, também, um espaço iluminado,


para que eu, já de mim sombria,

pudesse festejar a ausência de sombra

que, de noite e de dia,

teimosa me segue

para todo o lado.




BL

26.04.22








quinta-feira, 14 de abril de 2022

Secam-lhe as árvores

 


Estremece à incerteza das águas

no soluço dos poentes.

Pouco sabe dos segredos de cada hora

ou da geografia irrecuperável do derradeiro sol.

Asas voláteis navegam-lhe as veias

e na brevidade dos dias escorre uma lava

acesa de palavras.

Vozes e cinzas permanecem inteiras

ainda que sejam efémeras

as sementes que lhe vivem no olhar.

Secam-lhe as árvores

no voo transitório das brisas

de uma janela de mar.

Acostada ao tempo

é um vulto

um silêncio retraído

a febre que dói

na soleira do precipício em que em sede se afoga.



BL

14.04.22








sexta-feira, 8 de abril de 2022

Persistência

 

No vento inquieto da tarde

verbos de aves conjugadas

tuas e minhas

riscam sulcos

atam laços

o teu nome

formas de asa

prendem e arrastam


estão em mim

ferro em brasa

delicadas

as palavras.


BL

06.04.22







segunda-feira, 4 de abril de 2022

Manhãs [ des ] iguais

 


Os passos apressados dos passantes

os despachos urgentes

ou assuntos pendentes

dos tão-importantes.


E aí

dei por mim

sozinha


a varanda era a minha


as mãos apoiadas no corrimão

da manhã aceitando

a respiração.


E

naquele momento

de sol e de vento

senti


no meu espanto


que o tão pouco era tanto

para a minha canção.


BL

03.04.22