domingo, 30 de julho de 2023

Sonhos vadios

 



Foge-me o olhar

iludido num destempo seco

que me redesenha horizontes

incertos

sorrisos impossíveis

de memórias e silêncios.


Não me encontro entre

os ventos vazios


perco-me numa tela


de nuvens que não pintei

e se desfazem em brumas de uma solidão sem fim

e em palavras que já não sei

[e que procuro e me fogem]


e de sonhos vadios

que já não cabem em mim.


Percorro um chão

minado de dias cinzentos

trancado em passos hesitantes

que me pesam em lágrimas


e em rumos vagabundos

de imagens que partem sem mim


em viagens errantes

de um poema

que já não me cabe no tempo.




BL

06.10.11








Entre-tempos

 










Em mim se entrelaçam todas as melodias do mundo

na trajetória de uma brisa que ilude as solidões

no véu de luz que transporta.


Cerro os meus olhos para entender

os silêncios

matizando as cores

repartindo as verdades entre as minhas folhas

entre os meus frutos

acompanhando o azul e o sol que lhes moldam as estradas.


Gravo nas palavras a fragilidade dos instantes

os vidros quebrados tocados pelo vento

sem saber como se sai

desta inaptidão da alma

onde a chuva me açoita

e grita 

e sucumbe

quando articula o meu nome.


Sento-me na orla do tempo

como quem sopra memórias em dentes-de-leão

e invoca dias claros

para desfolhar a recontagem dos silêncios.




BL
10.09.11






domingo, 16 de julho de 2023

A penitência

 


O silêncio a respirar uma

voz

[ contida ]

saída de um tempo casto

que lhe ditou a penitência.


Praticar o esquecimento

percorrer os dias desenhando


pele

veias

mãos


nas paredes do pôr do sol.


Esperar na fila

para rebentar balões


de água contra

as paredes.


Escrever

e apagar


apagar

e recomeçar.


Morar em memórias dormentes

casa de palavras brancas.


BL

16.07.23



quarta-feira, 12 de julho de 2023

Leito e margens do teu rio

 


Guardo no olhos as palavras de água

do teu silêncio

o derradeiro abraço do sorriso que me acenaste

a voz invisível dos teus lábios

que levaste na tua viajante forma de ser.

Guardo na minha pele o contorno frágil

do teu gesto sereno e quente

o sabor a mar dos últimos dias.

Guardo na primeira floração de abril

a linguagem da espera a persistir no vento

e a resistir a esta chuva miúda

que prolonga a invernia.

Guardo nas mãos as nuvens luminosas

onde te nasce o tempo

e crescem as searas

leito e margens

do teu rio.


BL

15.04.12




terça-feira, 11 de julho de 2023

grito

 


 … e leva o mundo atado

àquela bolha de ar que lhe sobrou dos olhos. Embrulha as histórias

em papel de mortalha

e espalha os gemidos dos afetos

entre as cinzas das memórias


arrasta pela noite

a partitura nua em que tece os dias

caminha descalço sobre os nomes

em que a vida entardece


… e o silêncio move

aquela bolha de ar que lhe sobrou dos olhos

onde a voz antiga é um lugar

sem espaço

e o compasso do verso

corpo sem gesto

fendas

a descerem do tempo

palavra-peso

grito


e as aves a tombarem nas raízes dos passos

naquela bolha de ar onde gastou o que lhe sobrou do mito

e lhe sugou o luar.



BL

18.02.12





segunda-feira, 10 de julho de 2023

Na epiderme do silêncio

 




Baixas o olhar e deixa-lo

perdido num traço indefinível.

Talvez no ressurgir de nomes e lugares


para reencontrar aquele rosto

iluminado

na ilusão do regresso à tua essência.


Desnudas o mistério do teu corpo

e procuras o equilíbrio

no berço maternal


o repouso da epiderme

no abraço auspicioso

da tua nascente primordial.


Contudo

desperta-te o olhar do entardecer


no desassossego do silêncio

ou na dual

obsessão da fuga.



BL

09.07.23







sexta-feira, 7 de julho de 2023

.

 




                                          Escutar nas flores

                                           o belo canto do melro.

                                           Inverno acabou.




                                                BL

                                                 05.07.23







quarta-feira, 5 de julho de 2023

Não-tempo

 







Ainda me procuro naquele silêncio arrastado

que o vento levanta. Mas os meus olhos estão gastos

deles sobram apenas as raízes

e a luminosidade baça

que atravessa a vidraça

e arredonda o vazio da sala

repleta

de uma fumaça em dó maior

a pontilhar os móveis

que (no fundo) já lá não estão

também eles querem ser

desmemória.


Então invento um refúgio

num chão

feito de um não-tempo branco


[ onde também eu perdi a cor ]


e de portas trancadas por dentro

que me asfixiam

na dor.


E naquele silêncio arrastado que o vento levanta

há ecos de passos

que passam sem passar

e fogem fogem fogem

e deixam uma voz

que na brisa me avisa


_ Antes ser pó

esquecimento e cansaço

no meu descompasso

do que ser laço lembrança

veludo ou aço

na árvore em que não sou

nem folha nem sombra da vossa história.







BL
08.02.12