terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Im.ajo

 







Entre o verso e a parede”

atravesso o tempo num grito


limpo a sede

modero o temperamento

tempero o vento

e agito.


Sou a pedra na palavra


a leveza com que se atina


depende do arado que lavra

ou da nota que [des]afina.


Quebro a regra

abrando o ritmo

subo a vereda

acerto o biorritmo.


Viajo.


Im.ajo.



BL

25.12.23










sábado, 9 de dezembro de 2023

Floema

 



 




Tateio na pele das árvores

a trança das memórias. Penteio os sonhos

de ontem e de amanhã

nomes

vultos que reaprendo

nas palavras onde moro.


Guardo no vento sementes

inesgotáveis

navios repletos de sol

onde equilibro os gestos

e aquieto a flutuação do tempo.


Dias de espera sobrevivem 

em insaciáveis gotas de água

visíveis na sonoridade das folhas azuis

suspensas da claridade dos pássaros

e do recomeço do movimento.




BL

09.04.11







quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Era domingo e chovia

 









Carregado de dores saiu

de casa

o cão pela trela.


Queria encontrar folhas

vivas onde desenhar palavras


pontes de mãos estendidas.


Poderia até encontrar árvores

atravessadas de luz


ou um pedaço de céu

que lhe fosse asa

ou bússola.


Percorreu duas ou três ruas

cruzou-se com quase ninguém.


Não viu árvores nos passeios

nem reparou no chão


coberto de folhas.


Não encontrou palavras

nos rostos das pessoas.


O cão levou-o de regresso

a casa


alto magro mãos nos bolsos

vazios de palavras


o olhar coberto de nuvens cinzentas

perdido de si.



BL

05.12.23


terça-feira, 28 de novembro de 2023

Eu apenas e a janela







Eu apenas e a janela

sem rosto onde abrigo

o tempo.


Percorro a solidão

das ruas

a ausência magoa

o vazio ecoa

de asas abertas

palavras

por dizer.


Sustenho o chão na raiz

dos laços que me restam e sou


nas rosas

breves

que o silêncio não levou.


Eu apenas e a tela invisível

do tempo

em branco

que me sobrou.




BL

07.06.12










segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Enquanto a poesia não vier






Há no vento um silêncio de neblinas

um silêncio invisível

nos arbustos da manhã


uma canção impossível

de eternas borboletas

a renascer-me na pele

em imagens sobrepostas.


Entreabro a janela

enfrento os silêncios de dentro

arrumo sombras

e lágrimas uterinas.


Até ao anoitecer

enquanto a poesia não vier

caio em gotas de água fria

os dedos entrelaçados na valsa do vento

os olhos a caminharem sobre o tempo


como se nunca fossem chegar.



BL

14.06.12













sábado, 4 de novembro de 2023

Silabário

 





Explosão de sílabas


algumas fragmentadas

outras em moldes feitos por medida


murmúrios ascendentes

preces

ou

memórias

ecos da luz

andarilhos de espaços navegáveis.


Por vezes são

a respiração sonhada

a ondulação do tempo

o compasso do ar

a travessia do grito.


Conjugam a sombra e

a fuga


o mito

ou

a metáfora.


Transportam ausências

erros

ou

cicatrizes.


Por vezes são

a última vez

o risco

a libertação

o fim.




BL

03.11.23









segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Nuances de primavera

 





No tronco da utopia

expio o exílio dos pássaros

sem saber explicar as coisas entranhadas

na noite.

Procuro um diálogo

a madrugada

sim


contudo somente sílabas surdas

envelhecem nas minhas

mãos.


Ser árvore

renascer folhagem ou apenas folha

verde simples céu azul ao fundo

parca de silêncio espesso

nuances de primavera

enfim.



BL

30.10.23





sábado, 28 de outubro de 2023

Sem dores maiores

 




Depois

sem dores maiores

entre silêncios desencontrados

acender o rosto e deixar

que as cores da manhã lhe

inebriem a

pele.


Estender o dia entre cintilações

e memória

estrada de regressos

lugar sem mapa ou fronteiras.


Ser inteira na voz

subterrânea da pele até que

as cicatrizes da espera atravessem

sílabas de possibilidades

na espontaneidade do gesto.


As asas são medo e são noite mas

são prado

e as muralhas portas

arrancadas.




BL

27.10.23




sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Ziguezagueando

 




Deixar passar o vento

escancarar portas e janelas

ser vida na espuma das águas

porto de abrigo em rios de palavras.


Atravessar pontes de desassossego

escutar da alma a melodia

ecos de pássaros ou

luz campestre

harmonia.


Consentir do instante

as certezas improváveis

num caminho de inocência

ou de errantes sombras pressentidas.


Libertar o sol

e

numa pausa do tempo

entre o ventre e a foz

esculpir em silêncio

a gritante mel

ancolia.



BL

26.10.23






terça-feira, 24 de outubro de 2023

O rio onde me invento

 







É lento, é lento

o rio onde me invento

entre o silêncio do verso

e os afagos

de vultos resguardados no tempo.


Escrevo livros fechados ao longo de margens

sem regresso


e enquanto procuro imagens de sóis

nas pedras em que tropeço

decifro a indiferença das águas

e habito barcos em mares que desenho

para lá do horizonte.


E neste rio de outono em que a folha cai

e em asas se sustém

e flutua


só o vento compreende os pássaros

que demandam o sul e transportam

a chama do instante

na sede do seu canto.




BL





quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Canção de outono

 





Como se um pólen de verão

se entregasse ao silêncio

ou gemesse baixinho as sombras

mais densas

a anunciarem a noite.


A folhagem

frenética

dança uma última canção.


Evoca memórias de incêndios

sobre palcos invisíveis

atravessados de ventos

ou de chamas.


Exausta

despede-se da voz dos pássaros

cai delicadamente

a transportar o sol poente.


Como se a luz se recolhesse

breve e mansa

ao fim do dia.


É somente a espuma desvanecida

da vida

o cansaço das árvores

adormecidas

no futuro adiado

do poema.




BL

outubro/23




domingo, 15 de outubro de 2023

Sei desta voz

 







Sei desta voz

que me dá alento.

Fusionamo-nos

o meu nome e eu própria

quando o mesmo chão nos é

acessível



e dispomos o pensamento

e as palavras

pela mesma ordem de

aceitação


e seguimos o mesmo caminho.


Dissolvemos os medos nas

folhas caindo das árvores e nas canções

dos pássaros que brincam

por ali.


Não temos

o meu nome e eu própria

outro propósito que não seja

a negação do vácuo.


Não traçamos planos.

Perdemo-nos em horizontes da tarde

enquanto escutamos a respiração das palavras

sobre o silêncio da terra.




BL

15.10.23






Não sei como dizer-te até breve

 










Não sei como dizer-te
até breve
quando os dias perderam o chão
onde permanecer

e as palavras esqueceram as tardes
de claridade
que esculpiam a maciez das aves
no meu jardim da saudade.

O céu está a mudar de cor
e o eixo
de lugar

e o rio perdeu a noção de espaço
e do movimento certo
e já não corre
leve
para o mar.

Não sei como dizer-te
até breve
nem como escalar a montanha
para voltar a ver o amanhecer
no meu olhar.


BL




quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Neste resto de verão

 






Neste resto de verão

a noite adormece

e para surpresa da lua o poema


cresce.


Podia anunciar um beijo

o teu nome

na brisa


sementes que fomos


os dias breves

voláteis

asas efémeras


o espaço que somos.


Foi só mais um dia

inquilino da memória


e


ao fim e ao cabo

o poema cresce

sem contar a história.


Uma história de sol

que em mim

crepitava


quando era nascente


e em ti já penumbra

a poente

declinava.


Esta história

afinal

aqui é uma ilha.


Sombria

e

monótona


a ninguém maravilha.


BL

11.10.23








terça-feira, 3 de outubro de 2023

Parei num tempo carregado de pedras

 







Parei num tempo carregado de pedras

pertenço a lado nenhum

e planto a palavra escorregadia

na lama em que tornei

o chão que piso.


A vida dói

nas sombras que anoitecem as paredes

no sorriso que não tens

nos gestos invisíveis

que enegrecem as entranhas

no até p’ra semana

em que me morre o dia.


Não houve olhos vendados

nem rugidos de ventos mudos

na placenta que foi minha e tua.


Rasga-nos a desordem dos ciclos

e as folhas de silêncios

que sustêm o grito.



BL








sábado, 30 de setembro de 2023

Espiral





Sou vento.

Sou plátanos.


Espirais 

em amarelo,

ocre,

sangue.


Redemoinhos

de castanho

e asfalto.


Turbilhão

de brancos

azuis

e cinza.


Sou ébano,

marfim.


Sou Abel

ou Caim.


Sou guerra,

sou paz.


Sou eu

que

sem saber

não sei de mim.




BL

13.11.1989


quarta-feira, 27 de setembro de 2023

À margem do tempo

 






És talvez o silêncio do poema
a conter-se
ao fundo dos olhos
o reflexo da pedra num espelho convexo
o verso esmagado pela demora
do tempo.

És talvez um eco
um murmúrio do vento
a margem sombria de um regato em viagem
a face traída
do sentimento.

És talvez a minha voz ausente
a imagem esquecida
num hiato
a linguagem fria do presente
o desdém da palavra a gritar invernia
num tempo que morre
seco
dia a dia
hora após hora
lá fora.


BL








terça-feira, 26 de setembro de 2023

Nas tuas palavras








Nas tuas palavras

o lado de dentro

para o que resta de mim.


Olho a janela

e procuro um domingo

as ruas

a luz

                               de um domingo                              

do outro lado

do tempo.


No meu corpo

guardo fotos

tempos sem fim

e é-me difícil respirar

neste tão pouco

que sobra de mim.


Nas tuas palavras

a vontade de ser tempo


o silêncio

da minha crueza


a certeza

de a perder de vista


por detrás da opacidade

da minha lúcida 

insanidade.



BL

01.06.11













quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Janelas de sombras

 







segura para ti o tempo

dizias


e na parede

desenhavas janelas de sombras


guardiãs do teu olhar limpo

e dos sonhos mais puros


memórias de vozes

histórias de silêncios.



BL

13.09.23












sábado, 9 de setembro de 2023

Um vulto

 









Queriam crescer

as flores

entre as pedras

e a terra ressequida.


O céu era azul

o olhar também.


E para lá das pedras

para além da terra-túmulo


caminhava o medo

a procurar


abrigo


num olhar azul

perdido entre escombros

e céu sem horizonte.


Um vulto

nítido

no centro da mira.


E um ponto

vermelho

à espera.


BL

09.09.23












terça-feira, 29 de agosto de 2023

Margens

 




Nada me trará as horas

de ambrósia e mel

soltas nas margens

de um rio sem tempo

labirintos de pele     

em que perdida de mim

o fogo me prendia

e eu existia.


Uma estrela cadente rasga-me a memória 

e acende-me a dor do fogo das águas.


Na margem que é minha

procuro um abrigo

no espanto esquecido

do rio que passa.


Na margem que é tua, a alvura da noite

derrama luares, perfumes, sabores.


Nada me trará as margens

de um tempo sem horas

nas dunas desertas

da margem que é certa.


Ensaio um sorriso e a margem que é certa

envolve-me e devolve-me

o sorriso perfeito

e é com ele que te digo

que esta noite o meu sorriso

irá dormir contigo.



BL

17.05.10








Palavras cor-de-musgo

 





Há as palavras cor-de-musgo

que irrompem de súbito

na berma do caminho. Libertam aromas

selvagens

eixos frágeis

quase trevas

que se prendem às escadas do tempo.


Ressalvo a hesitação da cor

regresso ao sol interior

que molda as pontes à poesia

para deambular pelos cristais da infância

saldar as contas com os ecos

que hibernam

sem cobranças

na submersa claridade das lembranças.





BL

19.05.10












quinta-feira, 24 de agosto de 2023

De que é feito o tempo?

 






Já não sei os dias   

de cores claras

e promessas lisas

dispersas coincidências do destino


desenhou-se um atropelo

espasmos latentes

submissas aparências

ziguezagues de mudas ventanias indecisas


na janela

a luz transfigurada transformou em pó

o meu castelo

que nos meus olhos

largos

subia em letras soltas

e te sabia em mim


em silêncio diz-me o tempo

que o tempo envelheceu

promessa desabitada

espaço vazio

saudade

feita de nada.





BL

19.10.10








sábado, 19 de agosto de 2023

Sigo o meu caminho

 




Nas minhas memórias me vou procurando

ou coloco a questão num verso brando,

nas águas que correm do tempo passado

aquilo que deu certo e o que fiz errado.


Certos dias, nada faz sentido

ando por aí, mas não estou comigo

distorcida a crença que me foi abrigo.


Deslizo em silêncio, passo de mansinho

do sonho ao real, sigo o meu caminho.



BL

18.08.23






sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Entre.tanto



 



Movia-se sem mapa de viagem

sem bússola

ou residência.


Engolia o grito do vento

a rasar os barcos

que partiam.


Às vezes escondia

no olhar

aves hesitantes


ou o leito vagaroso

de águas

a recolherem memórias.


Sentia a pele

permeável a manhãs

de cinza


e aninhava no peito

a neblina

da noite escura.


Nos sonhos antigos

ecos de silêncios limpos

os pés em sangue


e a sombra do tempo

na estrada

parada.


BL

03.08.23









quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Contracorrente

 





O reflexo de um fio de letras

nas águas que vão fluindo.

É uma crença que a luz apagada

me ensinou


sempre que pouco mais sei

do que resistir

à corrente onde verbos estranhos

me aprisionam o dia.


BL

02.08.23






terça-feira, 1 de agosto de 2023

Sem que, por nós

 




Sem que

por ti


[ por nós ]


tivesses de partir

enquanto a manhã anoitecia

e o silêncio

em brasa

se estendia pela casa.


É que a voz do sangue é um olhar

que canta

um rumor de aves

que ilumina a estrada

a luz que flutua

sobre a terra molhada

um fim de tarde

que se entranha na alma

e a memória guarda.





BL

02.06.14












domingo, 30 de julho de 2023

Sonhos vadios

 



Foge-me o olhar

iludido num destempo seco

que me redesenha horizontes

incertos

sorrisos impossíveis

de memórias e silêncios.


Não me encontro entre

os ventos vazios


perco-me numa tela


de nuvens que não pintei

e se desfazem em brumas de uma solidão sem fim

e em palavras que já não sei

[e que procuro e me fogem]


e de sonhos vadios

que já não cabem em mim.


Percorro um chão

minado de dias cinzentos

trancado em passos hesitantes

que me pesam em lágrimas


e em rumos vagabundos

de imagens que partem sem mim


em viagens errantes

de um poema

que já não me cabe no tempo.




BL

06.10.11








Entre-tempos

 










Em mim se entrelaçam todas as melodias do mundo

na trajetória de uma brisa que ilude as solidões

no véu de luz que transporta.


Cerro os meus olhos para entender

os silêncios

matizando as cores

repartindo as verdades entre as minhas folhas

entre os meus frutos

acompanhando o azul e o sol que lhes moldam as estradas.


Gravo nas palavras a fragilidade dos instantes

os vidros quebrados tocados pelo vento

sem saber como se sai

desta inaptidão da alma

onde a chuva me açoita

e grita 

e sucumbe

quando articula o meu nome.


Sento-me na orla do tempo

como quem sopra memórias em dentes-de-leão

e invoca dias claros

para desfolhar a recontagem dos silêncios.




BL
10.09.11