terça-feira, 23 de abril de 2024

As estrelas também comem

 



Uma rua onde viver não fosse

a travessia do silêncio

nem uma rota de versos



solitários

ou um refrão de muros em ruínas

com a fome a descoberto.



O amor não chega por acréscimo

nem se reescreve numa pauta



de areia

a sobreviver ao tempo.



Uma rua onde um

champanhe partilhado anunciasse

a cegueira da pele e aninhasse



a loucura do corpo.



Uma rua onde os paralelos

do espanto não esquecessem a voz e



resistissem a um vendaval de

incertezas.





BL

23.04.24





Doces melodias

 




Chama-me o crepúsculo

para dentro de mim.


São de ouro e azul

as doces melodias

que me segredam de ti,

sussurros da tua voz,

com a luz do outrora

que não quer partir.


Suspensa num arco-íris de azuis,

desenho na minha alma

o que não posso querer,

na intemporalidade

de um momento

que é só nosso,

teu e meu,

e sem regresso.


Esta noite, recuso amanhecer.





BL

25.08.2009










terça-feira, 16 de abril de 2024

Dança de roda

 





E a esta distância
nos meus olhos de agora
existe uma dança
uma dança de roda

era uma esquina
de anos antigos
lugar de encontros
de anos mas poucos

elas sorriam
eles queriam
a ficarem loucos

e eu a um canto
pequena
encostada
sem perceber nada.



BL
16.04.24










terça-feira, 9 de abril de 2024

Entre o céu e a terra

 



Um eco
uma melodia
notas soltas flutuam no ar
pétalas ao vento dispersas
sem rumo
a vida a caber no poema
pegadas de presenças entre ramos e folhas.

Entre o céu e a terra
a luz preenche o silêncio
um acorde
um suspiro
e na alma uma súbita ordem noturna
a percorrer a existência
a redescobrir as nuvens
e os crepúsculos.

Um eco
uma melodia
para além das palavras sufocadas na boca
a transcender o tempo
mesmo sendo morada anónima
sob o olhar do infinito.




BL

08.04.24









segunda-feira, 8 de abril de 2024

Lá fora, cala-se a chuva

 


Lá fora
um claro-escuro imutável
como se o amanhã encenasse momentos
ocultos em cada domingo.
Todos os momentos são perfeitos para serem nuvens
eterna é a força do tempo
mas só agora me permito ouvir o silêncio
e libertar o corpo do desassossego das horas.

Adormeço ao sabor do vento
aguardando o ruído da vida
que sufoca sob um rio enregelado
e um céu crispado de solidão.

Lá fora
cala-se a chuva
e eu sento-me no horizonte a vender sonhos
a amadurecer versos
a partilhar as cores de um nada
entre o gélido olhar do infinito
e a sílaba ancorada nos mares desérticos da Lua.




BL
10.07.2011








quarta-feira, 3 de abril de 2024

Não há dunas sem vento

 




Nas vastidões de areia


e eras


onde o sol se funde ao céu

em chama viva



não há dunas sem o sussurro do vento

sem a carícia eterna

da sua coreografia.


Elas ascendem

imponentes

ao firmamento

esculpidas pela sábia mão

do sopro leve


contam histórias de nómadas

e estrelas

de paixões ocultas

dispersas na imensidão.


O vento

escultor sem forma

ou rosto

desenha linhas de vida e movimento


em cada grão uma memória

um pensamento


na areia

o palco da sua silenciosa canção.


As dunas vivem e morrem

ao capricho do vento

que as embala


não há dunas sem vento

sem a força que as desafia


sem a brisa que as molda

e as convida a dançar

ou as faz transformar.




BL

03.04.23












Labirinto

 






Percorro corredores a perder de vista

cada passo é uma escolha
cada escolha
um enigma.

As paredes não sussurram segredos
fecham-se
vigilantes.
Testemunhas mudas de um possível degredo.

A luz oscilante
frágil
inconstante
mas bastante

para desvendar o caminho
não o destino.

O labirinto não condena
não conduz

meramente se reduz a

um desafio à perceção
à determinação
ao instinto.

Neste lugar onde o tempo parece
parar
cada momento é eterno
cada decisão irrevogável.

Não há começo nem fim
somente o presente
e a verdade que emerge quando
já não é provável.

O labirinto é existir
pensar
refletir

um ressoar dos passos
que nos definem.

A viagem não busca uma saída
mas sim o entendimento de que
no final
cada um de nós é
em essência 
um labirinto.





BL
03.04.24













terça-feira, 2 de abril de 2024

Ecos do mar: versos de saudade e silêncio

 





Serei sempre o murmúrio das ondas

e do silêncio profundo que nelas habitava.


Caída sob o calor de mãos ardentes

engolia um vazio salgado

sinopse dolorida de todos os dias.


Na memória ressoam passos sobre pedras frias

traçam-se lamentos

na névoa que o mar respirava.


E na calmaria da noite

que vasta se desdobra

em horas solitárias

tardias


o coração bate

em versos soltos

que carregam histórias de amores esquecidos.


Risos e lágrimas cruzam

os murmúrios do vento

águas abissais

onde encontro refúgios


resposta do tempo

à voz paciente

que em mim se aquietava.



BL

02.04.24















sexta-feira, 22 de março de 2024

Escombros


 






Desligas-te de folhas antigas

e seca um veio de sangue

dentro de ti.



Tudo se cobriu de pó e

de ninhos de aranhas



fecha-se o ciclo

de uma teia

de sorrisos.



Olhas os destroços

são agora escombros da memória



rascunhos de pegadas

desenhadas no chão.



Ali está o tempo.



Caminhos de vida e

de morte.

Rostos

vozes

gritos de raiva



movimentações do amor.



Na busca de um ego

a condenação

a sujeição à surdina

ao papelito dos sonhos

mudo

no fundo do mundo.



A Floresta Encantada

os duendes

a noite

a madrugada.



Tudo é pó

agora



e aquela aranha a esfregar as mãos

a rir-se de ti.





BL

22.03.24











sábado, 9 de março de 2024

Não esquecer o corta-vento






A meio caminho acendo fogueiras

como se navegasse um céu

na aparência de primavera


e desafiasse novelos de tempestades

com asas em trajetórias ascendentes.


Mas não.


Neste lado do tempo

o poema quer fugir da loucura


dos estilhaços dos dias

escrever calendários sem idade.


São somente versos avulsos

o eterno olhar artificial a baloiçar nas palavras.


Um destes dias hei de

remover a ansiedade das sílabas e deixar fluir

cristalina

a voz guardada.




BL

09.03.24
















sexta-feira, 8 de março de 2024

Mulher (8)

 




Guardo a palavra em lábios macios,

atravesso as estações entre raízes e frutos,

sou a ave que resiste, sem ao tempo obedecer,

nem a asa quebrada me faz esmorecer.



BL








Mulher (7)

 


Poesia é estar contigo, é dar-te o beijo que não me pediste,

dizer-te a saudade que sinto, a meio do dia.

É o ritmo melódico dos afetos,

a cadência harmoniosa da solidariedade.





BL








quinta-feira, 7 de março de 2024

Mulher (6)

 



Procuro-me no fundo de manhãs a cores,

sou pedaços de vento, onde acordam entoações de primavera,

reinvento-me, na matriz das borboletas

e em voos de linho, respiro, à janela.



BL






quarta-feira, 6 de março de 2024

Mulher (5)

 




São de ouro e azul as doces melodias que me enchem de ti,

e sob a luz do outrora, que não quer partir, liberto a minha alma

do que não posso querer, na intemporalidade de um momento

que é só nosso, teu e meu, e sem regresso.




BL






Mulher (4)

 




É só meu o corpo rasgado, dentro de vestes de gala,

expulso das palavras a chama solitária de noites vazadas,

sangro algemas, turbulências, sorrindo esperanças e desejos,

encho de música o oceano em que me perco.



BL










terça-feira, 5 de março de 2024

Mulher (3)

 


Cresceste a flor que em mim germinei,

amor maior do que as palavas que não sei,

com sabor podei o teu futuro,

minha filha, Flor-Mulher, meu fruto maduro.






BL

04.03.24






Mulher (2)

 


Brilham, bem distantes, as estrelas, na redoma universal.

E aqui, tão dentro e tão perto,

minha Mãe, Mulher-poema,

minha luz atemporal.



BL

02.03.24



segunda-feira, 4 de março de 2024

Mulher (1)

 


E o pintor capta a luz.  Do rosto
e de um futuro iluminado, sob a pele do ventre.
És tu, Mulher,
semente e vento.



BL


01.03.24

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Amor tem nome de morte

 




Carregam nos braços a morte

a fome em gritos de guerra


deixam lá atrás os olhos em cinzas

percorrem estradas desabitadas


e nelas enterram histórias

e memórias.


Carregam a vida em

nuvens de silêncio e guardam o tempo


da esperança em notícias cegas

ou num leito de neve


à procura de aves

cor de céus


ou das raízes

de um deus.



BL

23.02.24





quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

agora não choro

 




entretanto já me

tinham dito que

era um buraco negro que se abria


um vazio

repleto de dor

angústia


um desespero sem curva

muito menos uma luz

depois da curva



mas nesse tempo

eu chorava

depois secava as lágrimas

e sorria porque me parecia

que tudo era normal

e brilhava



agora não choro

vou oscilando só

num vazio que alastra


desgasta


como se fossem os meus olhos

de criança

a começarem a morrer.





BL

22.02.24

















sábado, 10 de fevereiro de 2024

Retorno

 





Sei que dentro do teu olhar

a minha voz é substância da memória.


E dela pingará o meu nome

como vírgula numa página que não acaba.


Lógica árida

esta que me envolve de estrelas o coração.






BL

10.02.24













sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Cantiga d'amigo - Eu temo de vos perder

 




Com belas donzelas bailastes, amigo,

todas com paixão por vós.

E eu por vós ensandeci,

desde o dia em que vos vi.

Ai de mim, por Deus, amigo,

nunca deixeis de me querer.


Olhai só p'ra mim, amigo,

que é de vós que eu quero ser.

Não olheis p'ra outras delas,

que eu temo de vos perder.

Ai de mim, por Deus, amigo,

nunca deixeis de me querer.


Ai, amigo, meu coração

já não sabe o que fazer.

Avisa-me que cai ao chão

se tiver de vos não ter.

Ai de mim, por Deus, amigo,

nunca deixeis de me querer.






BL

24.01.24











quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Sonho


 



Sou apenas a cinza do último cigarro,

a pena que a gaivota perdeu em voo planado,

dentro de um grito a palavra escarpada,

uma memória desfocada.


Sou um sonho que olhou e não me viu,

um esperar desesperado,

uma nuvem em mares de tempestade,

um tempo que passou e riu.


Como ser

a brisa suave entre o vazio dos espaços,

a serenidade de um rio,

o silêncio azul da madrugada,

um poema, na luz limpa e renovada?



BL











quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Andamentos

 





Naquele lugar que marcava o estado inicial

saciávamo-nos em pulsações nervosas

deixando que o mundo fluísse

em relógios invisíveis

na clareira do tempo

que suspendo na memória.


Sem voz para cantar

até que a paisagem adormeça


calo-me agora

para que o retorno aconteça


e

na indefinição dos mundos

possa reinventar a cor


ver longe

e partir


reconhecer-me una

e voltar a ser só uma

dentro do que sobrou

e sou.


Porque

de súbito

é tangível a realidade das sombras

e ecoa

ao limiar da foz

o piano do último andamento.




BL

09.03.2010







sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Falésias de sal

 








O horizonte geme chamas

sobre as águas.


Na ilusão de uma crença onde te abrigues

soletras sílabas de incerteza

num gesto distraído

à boca da noite.


Caminhas sobre o silêncio

falésias de sal

preso ao enigma do crepúsculo.


Encandeado pelo limbo das estrelas

traças mapas de viagens


[ inocência dos pássaros que te atravessam ]


e acendes verbos no poema.


Sacodes o orvalho do rosto

percorres os olhares povoados de mar.


Próximo e distante

afundas o teu coração

na cumplicidade das veias.


A metamorfose das águas

cabe agora nas tuas mãos.



BL

05.01.24











segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Em (des)equilíbrio

 





Os meus passos perdem o equilíbrio

quando roídos pelo desequilíbrio dos dias

que apenas morrem 

como se fossem pedras paridas por um poemário

em que o sol se deita quando nasce.


Pergunto-me pelos fios de luz das manhãs

pela maciez do rio que entrava pelo espelho


pergunto-me pelo dia ornado de laços

e sorrisos de natal

pelo dia em que o vento me possa trazer fitas de malmequeres

e o meu rosto não reflita

o sal invisível dos pedaços de palavras.


Pergunto-me pelo tempo 

em que ainda venha a tempo de marcar encontro comigo

de me perguntar por mim mesma

e rasgar as grades prisioneiras dos medos

no reequilíbrio do gesto.




BL

08.12.11