domingo, 29 de dezembro de 2024

A sede

 









Repetidamente inscreve-se

a sílaba num silêncio escrito

a dois.



Enredam-se as vírgulas

sufocam

suprimem-se

iludindo chamas de um tempo

a adormecer sobre os ombros.



Insinuam-se sobressaltos

e há medos que gemem

fantasmas de uma força maior

espalhando palavras contra os muros.



Procura-se arranhar a verdade.

Deserto definitivo de uma sede sem nome.









BL

29.12.24










segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Sementes de dezembro

 





Igual a tantos dias em que passas

alheio ao nevoeiro

ao grito do chão que piso



sempre maio dentro de ti

o café da esquina já perdeu o nome

e a luz mortiça a vir lá de dentro



e a minha cabeça a ser a luz que vem lá de dentro

as vozes a esvoaçarem

a serem só uma

ou duas

todas as certezas em que eu me dividia.



Eu só queria um destino com o sol a pino

agarrei dezembro numa lareira de

cinzas apagadas



não estou a chorar

só queria ter algumas sementes guardadas

um punhado de terra

e um sol a pino

para as germinar.





BL

02.12.24









terça-feira, 26 de novembro de 2024

Prendo a noite nos bolsos

 






Não digo de um mar vazio

onde se cruza o tempo frio das artérias,

prendo nos bolsos a noite,

acendo o sangue quente nos meus dedos

soltos em zumbidos

embalados de sentidos 

e de vitórias.

Disperso no vento o cântico agitado,

dor, cobardia,

amargura do cansaço.

Valseio um papagaio rubro

suspenso de andorinhas renovadas,

ébria de azul,

calmo e silente no peito um voo leve,

um trilho de ar que o destino não percebe.   




BL

02.04.2010


domingo, 17 de novembro de 2024

Os ramos que me crescem longe

 




É tempo de romper o barulho ensurdecedor das pedras

e ser fio de água clara

a correr no silêncio

que se desprende das nuvens;


saber ser a cor do mar

a rimar com o perfume

da madrugada;


semear no vento a voz das marés

a acordar cá dentro

a loucura dos pássaros adormecidos

a calar os uivos feridos do deserto;


escrever horizontes no interior da noite

o poema

a inventar paisagens

em dias de palavras

impossíveis.


Para que o pôr do sol

seja uma manhã inteira

e os ramos que me nasceram

de entranhas de linho

e de fogo

e me crescem longe

floresçam

terra e semente

nos girassóis que plantei

no chão que me habita a casa.





BL

06.04.12








quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Moradas do vento

 




E a pele a respirar reflexos

desse lugar que ainda existe. Como um relâmpago.

Flor breve

onde sonhos se imolaram.


Refazemo-nos em moradas

migratórias do vento

ou num teto de sol.


Reinventamo-nos num voo

de ave embriagada


corporizamos no verbo

um sentir preservado em copas

de memórias.


Somos histórias

de incêndios e de mar.

Habitamos nomes e poemas.

Transportamos nas veias rostos

e olhares


e sem hesitação doamo-los

a um tempo em liberdade

resguardado


na luz coada que ainda

nos pertence.





BL

06.11.24


















sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Em bicos dos pés

 







Descansa; já aprendi.

Ensinaste-me a não chorar por ti

e a olhar o partir e o chegar

como quem espera pelo tempo sentada na soleira da porta.


Ensinaste-me a preencher os espaços vazios dentro dos meus olhos

quando, às cegas, 

percorro aquilo que já não consigo encontrar

dentro de mim.


Mas isso, eu não aprendi.


Continuo a pôr-me em bicos dos pés

para tentar segurar as paredes do tempo.


De vez em quando 

ensaio um sorriso ao silêncio,

sempre ocupado ali no canto mais distante da sala

como se esperasse um buraco a abrir-se no chão

para se desfazer em pó.


Ensinaste-me também

que a solidão pode ser abrir uma porta

e encontrar quilómetros e quilómetros de janelas

e que eu poderia ser metade delas

abertas.


Mas isso, eu também ainda não aprendi.




BL

05.08.13 








domingo, 6 de outubro de 2024

Mutações do azul

 




Recolho-te

no reajuste do silêncio.

E deixo que as mãos toquem os verbos

cúmplices das árvores

e do vento.



Sílabas dispersas

na superfície branca onde afogo

incêndios e monólogos. Vozes

do que foi bússola

em precário equilíbrio.



Tintas frescas

de rostos subterrâneos

ilusória raiz de sonhos na

alucinação da árvore.



Sobressalto.

Rasgo fundo de labirinto

de sombras a antever o crepúsculo

nostálgico no desencantamento do tempo.





BL

06.10.24












sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Morrem as estações

 







Cai a geada em

fissuras da alma

morrem as estações

multiplicamos por mil os refúgios

não sabemos se nos voltamos a ver.


Tropeçamos em amores partindo

soluçamos ombros escorrendo raiva.


Ah, quem estendesse murmúrios de aves

gritos brancos de corpos livres

rios serenos em ascensão!


E agora?


Fere tanto aquele olhar

ausente de colo!


Volta o ranger das palavras

em cima de uma sepultura de mãos

cheias de ausência.






BL

04.10.24









terça-feira, 1 de outubro de 2024

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

terça-feira, 17 de setembro de 2024

A subtileza da luz


 






É o tempo.

Traçar as linhas e unir

as pontas.

Sorver de uma só vez

a subtileza da luz. Na incógnita

dos delírios da sombra. Incontida e voraz.


Alimentar cintilações de azul

como se explodissem nomes

rostos

na espontaneidade das mãos.


Desenterrar os ombros

quando a espera é

uma porta trancada.

Extinguir silêncios entre causas

e ecos

ser voz inteira à varanda da tarde.


Demorar o gesto no paladar

das palavras.






BL

17.09.24

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

O silêncio do verbo

 








Não sei se é tão simples encontrar

na luz crepuscular das paredes

o percurso da rebentação

das mãos



ou o hálito que despe a solidão

de um corpo moldado

na anatomia do

esquecimento.



Existem lugares anoitecidos

debaixo das ruínas onde secaram

as raízes das veias.



Sei de uma aridez que

atravessou o tempo



e de uma árvore que continua

a crescer


como quem aprendeu a amar na insanidade

de um sonho que te recolhe


sobrevivente.



Não sei explicar se é o sorriso das máscaras

a conduzir à respiração do corpo.









BL

01.08.24








terça-feira, 16 de julho de 2024

Eclipse da sintaxe

 




Não, não esqueço os

fantasmas da loucura. Que seria

dizias.


Sem adversativas nem transgressão

cabia-me a esperança translúcida

da inocência.


Atava nós de paixão na pulsação

das veias

os olhos a mergulharem

no reflexo ilusório da

utopia.


Eclipse da sintaxe

no avesso dos espelhos. E tu

no teclado

neste excesso de vazios.


Sobras de quase nada

no silêncio confessional do poema.




BL

16.07.24








quarta-feira, 3 de julho de 2024

Cruzo-me com cidades a ficarem para trás

 







Sonhava-me vida

e semente

daquilo que queria ser para sempre

a germinar em mim.


Talvez tenha esquecido os verbos

a conjugarem visões do futuro

ou a tinta me tenha secado nos dedos.


Abro o dicionário das sombras esguias

a projetarem a estrada


sem pés que calquem o pó

ou pontes de fogo que irradiem

dos oceanos.


Cruzo-me com cidades a ficarem para trás

esqueço a rota das aves

que viajam com a geografia do vento.


De que cores pinto os dias

que pingam dos céus?


O tempo esqueceu as campainhas noturnas

onde se abriam paisagens

em que a vida me bastava:

esta que me atravessa

e me é distância.





BL

03.07.24








domingo, 2 de junho de 2024

[ In ] significâncias

 







Como se pudéssemos re
significar o silêncio a cada nova
folha em que o céu se desdobra.

Ilusória esperança que persistimos
em manter.
Mas abismos e labirintos

não cabem na bola esmagada
de um calendário
onde arrastamos o tempo

pautado de cada gesto
e nos perdemos dos lugares do sol
na fuga do vento.


BL
01.06.24



quinta-feira, 30 de maio de 2024

Imagem anónima


 


Deitou-se sobre a terra
era a última fila do estio
[ tinham anoitecido os últimos risos de terra fértil ]
adormeceu a insónia sobre a cama de relva.

Trazia sob as pálpebras páginas indecisas
fotografias do vento e
frutos de verão a contornarem lábios
perdidos entre a ramagem.

A seu lado a pulsação da
pele 
voo de estrelas
escárnio da ilusão
[ amor derradeiro amor primeiro? ]

Leve e frágil a libertação da memória
breve agitação do tempo
fogo-fátuo sem geografia.



BL
30.05.24














quarta-feira, 29 de maio de 2024

"África minha"

 











Meu chão é terra vermelha,

eu sou ébano e bonita.

Dançam sombras, ao sol ardente,

abraços da terra quente,

minha savana infinita.



Se, ao invés da cor,

prevalecesse o amor,

Pai nosso

que estais nos céus,

se, ao menos, eu pudesse

ajudar todos os meus.



Meu cabelo é negro e livre,

cresce, bravio, como o vento.

Coberto de flores, cores, ornamentos,

refletindo a luz dourada

e

em traços finos,

um perfil de vida ritmada

ou o silêncio do tempo.



Pai nosso,

que estais nos céus,

Tu e eu somos iguais.

No chão vermelho, o sangue,

da caminhada exangue,

desde o passado ao presente,

se não nos aceitam os demais.



Meus olhos fechados fitam a lonjura,

atravessam a cintilante vastidão.

Tão largos nesta planura,

pinto sonhos,

histórias brilhantes,

na tela do meu coração.







BL

28.05.24
















sexta-feira, 3 de maio de 2024

Labirintos da memória


 



Às vezes oiço vozes
onde iludo um aconchego
uma palavra que me é impulso.

Nas paredes explodem rostos
a atravessarem os lugares de ti
[ e de mim ]

ao longe.

Ressoa-me a limpidez da
tua voz

no azul transparente dos
teus olhos.

Sussurravas-me na pele o
futuro dos verbos.

Esculpíamos na espuma das
ondas
os frutos de um verão que ecoa

no tempo
na vertigem implacável dos relógios
onde os corpos se desfizeram
em sombras.

Ainda me sento na espuma
das ondas

e viajo pelas imagens que percorrem
os labirintos da memória.

E escrevo as noites antigas
em que já não existo.

Em que tudo morreu
dentro dos seus nomes.






BL
03.05.24





















domingo, 28 de abril de 2024

Ciclo de pedra e de luz










Assim se inicia o novo ciclo da vida



tecitura de pedra sob a

varanda do olhar.



Tela de ponto cruz

ou loja de conveniência



sobras de tintas sob o tapete

da porta de entrada.



Filtradas pelo verde da pérgola

candeias azuladas de uma

luz esquecida



germinam ventos e searas

em aromas de fim de tarde



e estendem raízes no poema.



Sobressaltos de crepúsculos entrelaçados

em fugas de maios prometidos.



Limpam-se as ervas daninhas para

que permaneça a certeza



da textura lisa

da pedra fria.






BL

28.04.24









terça-feira, 23 de abril de 2024

As estrelas também comem


 



Uma rua onde viver não fosse

a travessia do silêncio

nem uma rota de versos



solitários

ou um refrão de muros em ruínas

com a fome a descoberto.



O amor não chega por acréscimo

nem se reescreve numa pauta



de areia

a sobreviver ao tempo.



Uma rua onde um

champanhe partilhado anunciasse

a cegueira da pele e aninhasse



a loucura do corpo.



Uma rua onde os paralelos

do espanto não esquecessem a voz e



resistissem a um vendaval de

incertezas.





BL

23.04.24





Doces melodias

 




Chama-me o crepúsculo

para dentro de mim.


São de ouro e azul

as doces melodias

que me segredam de ti,

sussurros da tua voz,

com a luz do outrora

que não quer partir.


Suspensa num arco-íris de azuis,

desenho na minha alma

o que não posso querer,

na intemporalidade

de um momento

que é só nosso,

teu e meu,

e sem regresso.


Esta noite, recuso amanhecer.





BL

25.08.2009










terça-feira, 16 de abril de 2024

Dança de roda

 






E a esta distância
nos meus olhos de agora
existe uma dança
uma dança de roda

era uma esquina
de anos antigos
lugar de encontros
de anos mas poucos

elas sorriam
eles queriam
a ficarem loucos

e eu a um canto
pequena
encostada
sem perceber nada.



BL
16.04.24










terça-feira, 9 de abril de 2024

Entre o céu e a terra


 



Um eco
uma melodia
notas soltas flutuam no ar
pétalas ao vento dispersas
sem rumo
a vida a caber no poema
pegadas de presenças entre ramos e folhas.
Entre o céu e a terra
a luz preenche o silêncio
um acorde
um suspiro
e na alma uma súbita ordem noturna
a percorrer a existência
a redescobrir as nuvens
e os crepúsculos.
Um eco
uma melodia
para além das palavras sufocadas na boca
a transcender o tempo
mesmo sendo morada anónima
sob o olhar do infinito.




BL

08.04.24