terça-feira, 10 de junho de 2025

Espinhos de rosa branca em páginas de algodão

 




Ninguém toca o pergaminho intacto.

O papel

brando e impassível

esconde cicatrizes

que não se confessam.



No ventre de páginas desfeitas

sangram raízes de um nome esquecido

silabário rasgado em espinhos vorazes.



O algodão sufoca o verbo

repousa como véu sobre um tempo morto



[ fantasma mudo de histórias sem retorno. ]



Entre frestas

o silêncio trama a sua emboscada.



E a rosa

espectro pálido

devora o espaço

com a sua sede branca.





BL

10.06.25








domingo, 8 de junho de 2025

Traz-me cor

 







Traz-me cor

enche-me o peito de madrugada

espalha incêndios na pele fria

desenha marés vivas

onde o silêncio me habitou.



Traz-me cor

como quem rasga o silêncio

como quem semeia tempestades

e colhe relâmpagos no olhar.



Dá-me a febre das pétalas abertas

o grito das folhas ao vento

a dança insaciável dos sóis em fuga.



Que a luz consuma os meus medos

que os dias derramem desejo

que a noite se curve ao fogo

sem resistência.



Traz-me cor.

Traz-me um lugar

dentro dos teus olhos

e um dia macio

dentro de nós.




BL

08.06.25








quinta-feira, 5 de junho de 2025

Seguiremos pelo que há de vir

 





Seiva.

Seremos seiva.


Renovação da matéria

após a invernia.


Dobraremos a esquina

e seguiremos

pelo que há de vir.


Dobraremos a esquina

onde o vento ensaia promessas

onde a luz dança nos muros gastos

e as sombras se escondem do tempo.



Seguiremos pelo que há de vir.



Pela seiva que desperta nos troncos

pelo ouro que repousa na pele da tarde

pela vertigem

de não saber

de querer sentir.



O horizonte acena sem pressa

como quem sussurra segredos antigos.



E nós

movidos por uma voz qualquer

seguimos.



Apenas seguimos.





BL

06.06.25







terça-feira, 3 de junho de 2025

Não olhes para o limite do chão

 






Não olhes para o limite do chão.

O que há ali

senão a promessa de um fim?



Um contorno imposto

uma linha fabricada pela urgência da contenção.



Não olhes para o limite do chão.

Porque há um outro espaço

onde a pele respira sem nome



onde a vertigem pode ser

voo sem destino.



Há uma fissura no tempo

uma fresta por onde escorre a memória.

Um grito sem forma

a rasgar a carne do silêncio.



O chão não é a resposta.

Nunca foi.



O chão é só um eco

um reflexo

um palco onde o medo ensaia os seus passos



enquanto a luz é dança

livre

num horizonte

em fogo.






BL

03.06.25







segunda-feira, 2 de junho de 2025

Não saias desta desordem das coisas

 






Não fujas.

Ainda há sentido no que se espalha

nos cacos que não se encaixam



mas brilham

na luz oblíqua do dia.



O caos sustenta o que pulsa

os objetos empilhados

sem ordem

ainda contam histórias de mãos que passaram

de vozes que permaneceram.



O que é harmonia

senão o intervalo entre dois desencontros?



Se tudo se alinha

onde sobra espaço para o que vive?



Não saias.

Fica na dobra do improvável



onde as coisas respiram

sem pedirem permissão.





BL

02.06.25








domingo, 1 de junho de 2025

Tira-me deste corpo insuficiente

 






Há um limite na pele

uma fronteira de ossos

que não contém o que pulsa.



O espaço dentro de mim é estreito

um grito sufocado

um corredor sem saída.



Se ao menos fosse outro

o tempo desse corpo



se ao menos fosse vento

e não cárcere

a matéria.



Mas prossigo

palavra incompleta



à espera da sílaba exata

que me desdobre em vastidão.





BL

01.06.25







Avisa-me, quando eu puder saber o teu nome

 



Quando a noite for mais do que ausência

e eu souber ler o silêncio

nas entrelinhas do vento



quando as palavras deixarem de ser promessa

e o tempo não for apenas espera



quando a tua voz não for apenas um eco

e eu puder tocar a forma do instante

sem medo de que ele se desfaça



quando eu souber se a tua ausência é escolha

ou desígnio de algo maior



então

avisa-me.



Avisa-me

quando o tempo permitir

quando o vento decidir que já não é cedo

nem tarde demais.



Avisa-me.

Quando o nome já não for só palavra

mas gesto

pele

reconhecimento.



Sem medo.



Quando eu puder chamar-te

pelo teu nome



então

ficarei a saber que estamos

a flutuar

agarrados a este chão.










BL

01.06.25