sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Pesam-me os olhos

 






As palavras não pedem licença.
Caem.
Como cinzas sobre a pele nua do tempo.
Ficam.
Gravadas a ferro quente na carne branca da página.
Sem perdão.
Sem regresso.

 

Disseram-me:
“Não abras o livro que sangra.”
Mas eu abri.
Com dedos trémulos e olhos em febre.
E lá estavas tu
em cada linha que me queimava a memória.

 

O escritor avisou:
“Não escrevas. A tua dor é demasiado bela.”
O alfarrabista gritou:
“Queima tudo, ou serás devorada pelas vozes!”


E eu
obediente
rasguei cada verso que me tocava.
Mas a tinta ficou nas mãos.
E as mãos ficaram em mim.

 

A folha vincada a quente.
A folha vincada a quente.
Repito

como quem reza
como quem tenta apagar o nome do desejo.

 

Fui ter contigo como o sal vai à ferida.
Como o silêncio invade o quarto depois do grito.
Como o mar engole o rio e nunca o devolve.

 

Agora
pesam-me os olhos.






BL

22.08.25







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