sábado, 5 de abril de 2025

O brilho discreto das coisas que passam

 




Entre os ecos perdidos nas paredes

raízes encontram brechas na pedra

e uma flor encontra o caminho da luz.



Aqui

onde o mundo desacelera

o tempo cruza ramos distantes

e o vento é sílaba insubmissa

a desenhar na pele murmúrios de silêncio.



As árvores revelam histórias antigas

na força nova onde as aves fazem morada

e a voz que busca a palavra

escreve o poema

no brilho discreto das coisas que passam.




BL

05.04.25









sexta-feira, 4 de abril de 2025

Lugares dentro de nós

 




As casas sussurram nomes

que se perderam no vento.

Envelhecem em silêncio

costuram sombras nos muros

por onde não passou o tempo.



Nas suas raízes

dormem histórias escritas sem mãos

apenas com o peso dos dias

e com o eco dos passos que já não regressam.



Nas paredes existem murmúrios

palavras embebidas na cal



e nos telhados

abre-se a janela da saudade

nunca traduzida

jamais pronunciada.



As casas nunca se despedem.

Apenas esperam.







BL

04.04.25







quarta-feira, 2 de abril de 2025

Compasso binário

 







No teu olhar

um verão eterno

o brilho dourado de tardes sem fim

e

no vento

a esperança sussurrada

de uma promessa imensa

palavras verdes

sopradas.



Mas o tempo

implacável

escreve-se em silêncio

desfaz os laços

apaga as pegadas



e o amor

abrigo e horizonte

torna-se um eco

no vazio das madrugadas.



Guardo a tua voz na dobra do tempo

a memória do toque

que já não vem

e

em versos

a linguagem das aves

que me embalava.







BL

02.04.25







segunda-feira, 31 de março de 2025

Improváveis horizontes







O tempo é pausa

e a sombra arranha-te os passos

que balançam entre o já

e o nunca.



Na ausência

desfias os nós invisíveis do destino.



O eco lateja na fissura da espera

lâmina a desafiar o verbo.



Os dias pesam

chumbo ao amanhecer

e o medo a engolir a vastidão da noite.



Sobram memórias

em cofres de pele esquecida.

Erguem-se asas quebradas

contra um céu de negrume e incertezas.



Porque a dor é prado

é rio

é queda

_ melodia do silêncio a cantar na distância

um voo de corvo no caos das ausências

bordando na muralha improváveis horizontes.







BL

31.03.25










quinta-feira, 20 de março de 2025

Um tempo a moldar o rio


 


Fluem os dias entre margens invisíveis

artesãs de memórias

raízes de um tempo a moldar o rio.


Dança a eternidade no silêncio do horizonte

e

em instantes frágeis

recolhemos sílabas

como folhas caídas

a aceitarem o abraço frio da corrente.


As águas moldam as passadas da rocha

enquanto a corrente carrega sonhos sem corpo

o céu chora sobre a terra

e o reflexo do mundo

é peso

e é tristeza

na leveza de existir.





BL

20.03.25







quarta-feira, 19 de março de 2025

Ecos de ti


 




No íntimo segredo da palavra

hei de erguer um templo

de sílabas líquidas

onde ecos de ti desaguam em marés

eternas.



Caminharei

descalça

pelas veias da noite

semearei constelações

nas frestas do silêncio

e abraçarei o lume que deixaste no ar.



Porque tu és o mapa

e a bússola

o ciclo das glicínias a cada primavera

e o fôlego

que move os ventos do poema.   



BL

19.03.25









domingo, 9 de março de 2025

A liquidez da noite

 








As horas amargas aguardam
as árvores de pé

ou os livros que nos 
ensinem letras 
pacientes.

A cumplicidade da terra espalha 
a dor
a chuva risca rotas
de liberdade
o silêncio entrelaça histórias
de sonhos 
e saudade.

Vemos a lentidão da vida
a alastrar
nas linhas das mãos.

As horas deslizam 
com a mesma sapiência
de quem conhece o destino.

É noite.
Entranha-se a liquidez do poema
como folhas na corrente
das águas.

Apenas se ergue
o sussurro dos deuses
para quem os quiser
ouvir.



BL
09.03.25




quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

As letras atravessam o fim da página

 






Abriu-se o barro
à mulher vestida de negro.
E a luz fluiu 
na sua direção.

( Con ) fundiam-se 
o barro e o céu
delineavam-se asas em lâminas de fogo.

Enganava-se a morte
escrevendo em cinzas
poemas de amor com sabor
a pássaros caídos da voz.

Fechou-se o tempo
as letras atravessam o fim da página.

Queimam lentamente
as palavras
na síntese dolorosa de todas as coisas.

Cada vez mais perto
da ilusão dos lábios.






BL
28.01.25







terça-feira, 28 de janeiro de 2025

A pele húmida da solidão

 




De novo a acidez 
da pedra assoma
à superfície das águas.

Adormecera
na contemplação da cor
de um céu a escoar raízes

enquanto os ossos
roídos de dor
escondiam a explosão das veias
a correrem
no sentido de pedaços e sons
de um fundo azul do tempo.

Existe agora
uma renúncia anunciada

extingue-se no olhar
a porta onde
a vida atravessa a pele húmida da solidão.



BL
28.01.25










sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

A lucidez do azul

 




Falaste-me do cansaço da pedra
das escadas de neblina magoada
e triste
da árvore a tombar
lentamente em janelas
de solidão.

Preciso lembrar-te
a sede da pele
a renovação dos pássaros
um fio de luz
em nuvens suspensas da manhã.

Não rasgues os alinhavos
da memória
não apagues os diálogos
do tempo.

Há de um voo pousar no poema
e acertar a lucidez do azul
sobre a cegueira do silêncio.



BL

10.01.25
















quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Adília Lopes

 




" A arte é um modo de lidar com a ausência. E por isso é tão preciosa e tão perigosa. Nunca é a alegria da presença."


 ADÍLIA LOPES (1960-2024)

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Fragmentos de silêncio

 







São agora ramos segmentados
galhos secos atravessados de penumbra.

Olho-os e vejo pretéritos
ainda formas esguias
sob(re) os verdes
[ que permanecem ]
cobertos de metáforas.

Penso no que peço
despeço-me do que pediria.

Assomam pétalas por
entre arremessos de inverno
são quase nenhumas
as aves que me aquecem.

A geada queima o verso
desintegra o corpo do poema.

Talvez já não saiba
o lugar das palavras

e todas as coisas sejam murmúrios
a empurrarem as mãos
para o olhar fragmentado do silêncio.

BL
07.01.25










Movimento circular da palavra

 







É circular e fluido
o movimento da palavra que
floresce nas suas mãos.

Desliza o pensamento
no olhar profundo
sobre as teclas

não há nódoa
na folha branca
inteligente
delicada
pertinente.

Sombra e luz entrelaçadas
um rio correndo
em rimas
às vezes alternadas.

Atravessa o deserto
traça o perfil de um destino incerto
alcança uma seara a descoberto.

Nas rugas do tempo
histórias gravadas
mapeia na planície
as águas estagnadas.


BL
06.01.25






segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Os berlindes da solidão

 







Os bolsos cheios de berlindes

às cores

de palavras

e de dores.



Não utilizava a palavra

em zonas de argumentação.

Cheio de silêncios



baixava o olhar

a procurar um grão

de culpa alheia



ou de solidão

para sacudir das pernas das calças

ou das solas dos sapatos.



Sem traçar planos

saía para captar um plano



que guardaria

na gaveta do esquecimento.



Entrelaçava o tempo

em mágoas

e o que não teria de fazer.



E os berlindes às cores

à beira do abismo.


No vidro da mesa o reflexo da queda

a fuga.



Sem crença de salvação

a queda ficou à espera.



BL

05.01.25






domingo, 5 de janeiro de 2025

Calam-se os dias

 

Lá fora
um claro-escuro imutável
como se o amanhã encenasse momentos
ocultos em cada domingo.
Todos os momentos são perfeitos para serem nuvens
eterna é a força do tempo
mas só agora me permito ouvir o silêncio
e libertar o corpo do desassossego das horas.

Adormeço ao sabor do vento
aguardando o ruído da vida
que sufoca sob um rio enregelado
e um céu crispado de solidão.

Lá fora
cala-se a chuva
e eu sento-me no horizonte a vender sonhos
a amadurecer versos
a partilhar as cores de um nada
entre o gélido olhar do infinito
e a sílaba ancorada nos mares desérticos da Lua.



BL





sábado, 4 de janeiro de 2025

Refúgio de memórias

 






O amor ardia

reparador de promessas

maceradas.



Ignoraste-o

contudo

na neblina indistinta

daquele inverno plácido

e cruelmente faminto.



Podias ter dito do começo

às avessas

da falácia da estrada.



Mostraste-me a forma angular

de acreditar numa voz



numa cor de estio

que alonguei até ao infinito.



Tivesses sido tu o meu tempo!

Um lugar onde

cada extremo se despede

e se abraça .

O meu lugar!



Não seria somente a memória

o meu refúgio uterino.




BL

 04.01.25















quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Passos na escuridão

 




Deita-se ao largo de

um farol noturno

almeja um mar de sol nascente.



De quantas nuvens se faz

um colo,

mãe?



Tapa a insónia

com a luz grande.



Podes pintar-me

a cor do silêncio,

mãe?



Enterra os pés

em areias desertas

sem saber que trilho seguiu.



Sopram-lhe passos

as conchas dos búzios.



São os teus passos,

mãe.

São meus os teus passos

dentro da escuridão.





BL

02.01.25