segunda-feira, 3 de julho de 2017

Caixas cheias de nada

Desarrumou o tempo e partiu. Desagregou as memórias em pedacinhos minúsculos. Talvez porque, desse modo, lhe fosse mais fácil retirá-las da pele. Dos olhos. Dos braços. Do coração. Assim, desintegradas. Caídas no chão. Lentamente. Uma por uma. Sempre lhe foram um peso, as memórias. Rodeavam-no de pássaros em fuga. Enchiam-lhe o corpo de deserto. Nos olhos, um imenso, infindo deserto. Às vezes, recuperava uma . Ou outra. Polia-a, lapidava-a. Sentava-se numa pedra e, do seu interior, extraía pensamentos simples. Sorrisos luminosos. Tranquilos. Ilusórios. Tranquilamente ilusórios. E eu ficava inteira, dentro da ilusão. Mas, um dia, precisou de partir o tempo. De encher os olhos de pássaros. De estilhaçar o reflexo. E cobrir o chão de vidrinhos pontiagudos. Encheu caixas e caixas de tudo. O chão ficou coberto de vidrinhos pontiagudos. E deixou caixas e caixas cheias de nada.


Brígida Luz
03.07.17

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