sexta-feira, 27 de junho de 2025

Ladainha do corpo aceso

 







Diz

corpo

onde começa o incêndio.



Diz

boca

o nome que queimaste.



Diz

pele

onde mora a ausência.



Arde.

Arde o que se cala.

Arde o que se lembra.



Repete

terra

a dor dos passos.



Repete

vento

o sopro que fugiu.



Repete

tempo

aquilo que não cede.



Arde.

Arde a voz.

Arde o toque.

Arde o altar do silêncio.



Clama

peito

por um céu que não responde.



Clama

gesto

por um fim que se recuse.



E o que sobra

reza.






BL

27.06.25








quarta-feira, 25 de junho de 2025

Cartografia do adeus

 







Existem palavras que ardem

antes de serem pronunciadas.


O teu nome.


Dentro do teu nome

comecei a riscar

as margens do mundo.


Com a caneta embriagada

de ausência

e a luz desligada

pela pressa dos dias.


A manhã encostava-se

às paredes


como um animal faminto

perdido entre a memória

e o instinto.


Nenhuma teoria me valeu.

Nem Freud

nem mapa astral.


O amor não cabe em esquemas

nem a dor se resolve

por equações.


Aprende-se tudo ao contrário.


Primeiro o fim

depois o presságio.


E entre os dois

o fumo


a engolir os pulmões

devagar

como quem aprende a morrer

por dentro.


Dizem que se pode morrer

de sede

no meio do mar.


Eu morri

de ti

com todas as letras

que te escrevi

e

    que

            nunca

                       soubeste

                                        ler.






BL

25.06.25

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Entre a raiz e o céu

 




Moves-te entre sopros de tempo

e frases suspensas

às vezes distraído com mil ruídos

num compasso de incerteza

e desassossego.


Caminhas entre a raiz e o céu

seiva invisível entre as margens

do que és

e do que te sonhas.


Respiras a memória dos retratos

vidro líquido

lume aceso em lareira de sílabas

para que o verbo se desfaça

e volte a ser semente.


E eu

guardiã de murmúrios

esperarei por ti

com um espaço guardado no tempo


como quem bebe um silêncio morno

ao fim do dia.




BL

23.06.25












quinta-feira, 19 de junho de 2025

Antes do chão

 






O tempo encosta-se

ao meu corpo

devagar.

Já não dói

é peso

como um nome a esquecer.


Os passos desfazem-se

antes de tocarem o chão

e o eco

[ se ainda existe ]

aprendeu a calar-se.


A luz não ilumina.

Passa por mim

como mãos que não sabem despedir-se.


Há uma morte que não chega.

Ocupa o espaço

entre o meu olhar

e o mundo.


A despedida vem sem rosto.

Acontece dentro de mim.

Um desfiar lento do que sou.

Não há corte.

Somente ausência

a escorrer pelos dedos.


Algo se molda

em silêncio

no outro lado do instante.


Tudo o que fui

perde contorno.

Tudo o que vem

ainda me desconhece.


E aqui

neste intervalo do quase

sou pele

a (des)aprender a memória.






BL
19.06.25









sexta-feira, 13 de junho de 2025

Arquitetura líquida

 




Nada repousa.

As formas dissolvem-se no tempo

escorrem


[ escorrem ]


pelas frestas da incerteza.


O chão flutua.

Flutua


[ flutua ]


perde-se


ilhas de matéria desfeita

arquitetura líquida

fluida

fundida

onde os mapas se desenham

e apagam.


Corpos são sombras em suspensão.

Reflexo incerto.

Sombras



[ sombras ]



 vacilantes.



E o verbo

outrora raiz

ondula

breve

dilui-se

desfaz-se.


No silêncio

onde tudo se transforma

somos ecos

ecos à deriva

vestígios de um lar sem margens.







BL

13.06.25














terça-feira, 10 de junho de 2025

Espinhos de rosa branca em páginas de algodão

 




Ninguém toca o pergaminho intacto.

O papel

brando e impassível

esconde cicatrizes

que não se confessam.



No ventre de páginas desfeitas

sangram raízes de um nome esquecido

silabário rasgado em espinhos vorazes.



O algodão sufoca o verbo

repousa como véu sobre um tempo morto



[ fantasma mudo de histórias sem retorno. ]



Entre frestas

o silêncio trama a sua emboscada.



E a rosa

espectro pálido

devora o espaço

com a sua sede branca.





BL

10.06.25








domingo, 8 de junho de 2025

Traz-me cor

 







Traz-me cor

enche-me o peito de madrugada

espalha incêndios na pele fria

desenha marés vivas

onde o silêncio me habitou.



Traz-me cor

como quem rasga o silêncio

como quem semeia tempestades

e colhe relâmpagos num mar a perder de vista.



Dá-me a febre das pétalas amarelas

o grito das folhas ao vento

a dança insaciável de sóis em fuga.



Que a luz consuma os meus medos

que os dias derramem desejo

que a noite se curve ao fogo

sem resistência.



Dá-me cor

e traz contigo esse fio de lume

que ainda arde nas entrelinhas


para fazer vibrar

o que nem sempre se nomeia.




BL

08.06.25