segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Em letra pequena


Aprender a duração da tarde

sem que no vento

se suspendam as palavras.



Reconstruir o espelho

e

no alvoroço da espera



entrar por dentro do infinito

e recolher no tempo

as rosas prometidas.



As rosas prometidas.



Desfolhadas em sílabas

divididas em hemisférios

de neve e lava.



Uma história a nascer.



Ainda sem um ramo de mar

ou uma rua respirável.



Em letra pequena

mas com cheiros de planície.



E os rostos facetados

do silêncio e da nostalgia.



A escutar as vozes do indecifrável

a cerrar lentamente a luz

que se verte dos olhos



como um rio que não correu.



BL

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Partidas


E hoje há um perfil aberto

ao vento contraditório

de novembro. As partidas

fundem-se no meu corpo

como árvores despidas a transitarem

entre o sangue e as memórias.

E doem-me os olhos

afogados em sílabas vazias.



E esta chuva miudinha

a agudizar o silêncio

preso à líquida brevidade das palavras

que passam por mim num ilusório gesto de água.



BL

domingo, 2 de novembro de 2014

Poema em aberto


Comigo vêm palavras lentas

demoradas

onde o tempo quase para. Linhas claras

a unirem inexistências. A transporem

um espaço vazio

onde o rio se perdeu.



Efemérides

digo-me eu. Na esperança

de que os olhos se fechem num verso brando

e rasguem apenas o clarão da luz

na entrada do horizonte.



Por onde tu sempre passas. Vagarosamente.



BL

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Poema em branco


Espero-te no limite

da brevidade. Porque “em breve”

é um espaço vasto

vago

e os olhos

resvalam para o tempo húmido

que se projeta da raiz das nuvens.



Breve foi a vertigem que atravessou

o mistério da luz.

Saboreei a profundidade do vento

a cadência da manhã por dentro das árvores



[ os frutos ainda por amadurar ]



Tombaram as folhas

arrastadas pelas águas que correram

ao invés. Esboços de todas as ilusões.



Traços rasurados na penumbra

da pedra. A deslizar rente à parede

em branco

à procura de uma porta

que a viesse buscar.



BL

07.10.14

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Tudo em mim...




Tudo em mim precisa reacender

a memória e

regressar ao teu nome.



Nunca é tarde demais

para reaprender o lugar suspenso

onde as esperas resistem. Luzes espelhadas

no rio



momentos de onde escorre um luar

intenso que também

te pertenceu.



Tudo em mim

é presença. Barcos que dormem



na limpidez do horizonte

que os sonhos tocam.







Habitam-me as folhas que piso

e o inverno prepara para a morte.



Tenho apenas versos brancos a procurarem

refúgio na luz crepuscular.



Tudo em mim são ruas sem rosto

onde os verbos adormecem

no corpo da tarde.



Tudo em mim precisa

aquietar a memória. O tempo

é um deserto.



BL

02.10.14

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Des.con.figuração


A harmonia das coisas

dispersa no interior dos contornos. Fragmentada

pela mutabilidade



do olhar. O mesmo olhar

que segue o fio do pensamento

até ser o desalinhamento

dos pontos.



Um retângulo em branco.



A afastar-se



fugaz



até ser espaço

sem forma. Início

do abismo.



Partículas errantes

de silêncio.



BL

24.09.14

domingo, 21 de setembro de 2014

Esquecimento


Entrar por dentro da árvore

e com mãos firmes

cobrir os dias de folhas verdes.



Escavar no tronco um lamento

um refúgio de atalhos

e de esquecimento.



Ah, o esquecimento!

Barcos de silêncio a levarem

a pulsação dos caminhos largos.



As águas mornas

de onde renascesse rocha.



Até as palavras rolarem

e me entregarem à lonjura antiquíssima do tempo.



BL

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Não basta debruar o gesto




De repente, um olhar enviesado
a abrir a noite. Desarrumavas sorrisos
sobre um muro clandestino
a olhar à volta
a sacudir capítulos desconexos
a ordenar a anarquia dos pensamentos


[ com tantos nomes dentro ]

Precisavas de ocupar todos os espaços da alma
por detrás de um rosto
que não é o teu. Porque o teu
é esse espaço que habitas
quando pronuncias palavras
que te são indiferentes à voz.


Opacas.
Opacas as sílabas gastas
que inutilmente emprestas
quando os teus olhos bocejantes mastigam cansaço
e esquecimento.


Não basta debruar o gesto.

[ a solidão não basta ]

No mosto
ainda frágil
de um outono indeciso
seria fácil


[ e preciso ]

deixar viver um sorriso primaveril.

Que nascesse de um quase nada
de um momento de água
ou de uma nesga de céu


o meu

a recriar o teu.

BL
25.09.13



sábado, 13 de setembro de 2014

Nenhum lugar


O apelo da terra à lassidão do corpo

a cair centrífugo

em direção ao estalido do nervo.



A inabilidade das metáforas

no desvio do eixo

ou no pendor dos braços.



Chamas-me e soltam-se

pedaços do tempo

como janelas soluçadas onde encostei a voz.



Dás-me a tarde toda como

ombro_

_âncora entranhada na solidão.



Os lábios presos

ainda

ao deserto imenso dos lugares desencontrados.



BL

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Mariposa




Aquela é a mulher

que tem medo da sombra.

Insinua-se na parede caiada de branco

pelo incêndio da tarde



cinge ao peito o fogo mais aceso da luz.



E voa

casulo e vendaval

ao silêncio prometido

dos pássaros.



BL

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

os lugares das coisas


tudo o que eu precisava era

saber como fusionar os dois lados

do tempo



aceitar-me no exato ponto

de fusão



em que a vida amadurece

e os sinais se abrem

como bússolas



e os lugares das coisas

a saberem pronunciar o meu nome.



BL

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Caem silêncios dos teus olhos




Dói-me a tarde
nos teus olhos.

A desenharem setembro
a apagarem agosto

quase deserto

[ quase memória ]

E o teu sorriso
trémulo
a contornar as sílabas
mal traçadas

[ ou do tempo a mágoa ]

Caem silêncios sobre a água
voo breve das palavras.

Sinais do sol

[ ou recomeço ]

Caem silêncios dos teus olhos.

Linguagem indecifrável
de um muro por onde corres

corres

ilusoriamente só.



BL

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Estranhamente doce




 
 
 
É aqui
que os dias se cruzam


espartilhados

como a
sede da gaivota onde ironicamente


agoniza
o verão.


São
longas as horas e o silêncio alonga-se


nas ruas
que dormem


na
inocência de sílabas proibidas.


Sei de
um equilíbrio impreciso


ou da
sombra errante que me amarra as memórias


à voz
que me rodeia o nome.


Tão
breve como a lucidez da folha


tecida
na sede das mãos


cresce
nos meus olhos


um
abrigo de água


estranhamente
doce.


BL

sábado, 9 de agosto de 2014

Pegadas





 
 
e aqui voltei

mergulhada numa luz de longe


entre mim

e o que de mim deixei


réstia transparente

de um tempo de estio


âmago da vida

entre o vento e o rio


silêncio e searas maduras

um quase sossego do verso


labirinto de cores

no ventre da terra


viagem metamórfica

à mais funda raiz do poema.



BL

quinta-feira, 31 de julho de 2014

por aí...




A árvore
ou o silêncio de um ninho no interior de um ninho
a um grito da queda.


O tronco
mirrado. Como quem
se deixou tombar por dentro. Uma ave
abrigada entre folhas e ramos
a debicar o pensamento.


Os olhos
a seguirem o rumo
da seiva a espalhar-se
pelo tempo. À procura
da primavera
no fundo do mundo.


BL

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Um lugar acima de nós


Espero ainda por ti

à beira de uma raiz do olhar. Como quem



envolve a alma na memória e se agarra

ao tempo quieto

que vem de dentro. Falo-te



da voz que os pássaros abrigam nas falésias

ou dos cabelos encrespados do mar. E o silêncio

a crescer acima de nós



a devolver-nos o dialeto do vento

voz da tua e da minha voz.



E o tempo acima do vento

mil anos acima de nós.



E os teus passos

os teus passos curvados



a desenharem na sombra a direção da luz.



Luz em fuga

no desencontro dos tempos.



Lugar

das coisas indizíveis



tão perto da voz.



BL

terça-feira, 15 de julho de 2014

Um nome que te dói


 
 
Um nome que te dói. Que te ocupa

todos os espaços do corpo e que talvez



só exista dentro de ti. Cheio de aves

e dos incêndios do entardecer.



Talvez destinado a morrer.

Como tu morres ao despertar da manhã



e o silêncio é teu refúgio de barcos

e de tempestades.



Um nome que te dói. Que não te sabe

a inocência das estrelas. Onde o tempo



cresce e a memória te molda a alma

na geografia do corpo. O teu corpo



exausto. A luz inerte de um rosto vazio.



BL

terça-feira, 8 de julho de 2014

Convergências


Sei que é tangível

a cumplicidade da palavra.

Clamo-a

agora mais do que nunca

para que nada mais se cumpra entre mim

e esta solidão cinza-violácea

que desce pelo anoitecer e respira

por dentro das paredes.

A saudade, tu sabes.

A casa embebida de longes.

A lentidão dos dias que passam.

A luz das pequenas coisas

simples e inadiáveis

suspensas nas intermitências da voz.

Espaços em branco

em redor do meu corpo. A fragmentarem

o movimento de um tempo que vem de fora

e demora a chegar.

BL

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Num fio de palavras [des]convocadas


 
Levamos o tempo fechado no olhar

como se gritássemos sombras silenciosas

paradas no esquecimento.

Através dos corpos emudecidos

passam os dias turvos de ausências

e de solidão.



E ao redor da casa envelhece

uma tranquilidade baça

por onde se afundam os gestos vagos

a sucumbirem na fuga.



Convoco o vocabulário

da ressurreição

a plena vastidão do amor

para dentro das imagens



mas sei apenas de um quase nada

sempre que viro a página

e o rio reflui e me engole



[ ou me adia ]



e a linguagem da pele quase não passa.



BL

13.06.14



 

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Escrevo pontes dentro de mim


Debruço-me sobre o rio e escrevo

pontes dentro de mim.

Penso em nós

límpidas palavras de água a tocarem-nos os rostos

caminhos invisíveis

a transporem as margens.



Na ponta dos meus dedos, o rio

é voo impossível onde me abrigo.

Viagem inconfessa do coração dos pássaros.



Deixo-me tocar pelo silêncio das horas

e tudo chega e existe junto de mim.

Repouso os olhos cansados

nos barcos demorados na espiral do poema.

Canções antigas. Fascínios que dormitam.



Desarrumo as memórias pelo céu.



É necessário partir

e anunciar as sementes da manhã.



BL

06.06.14

domingo, 15 de junho de 2014

No reverso do reflexo




Retida no reverso do reflexo
segue os retalhos do tempo
subindo os olhares das estradas


escorrega na sombra do centro
arruma portas e abraços
enterra relógios
retratos


subtrai a crispação do silêncio
ilude a mutilação da noite
amordaça a culpa desfocada


engole a mudez do pensamento
desata os nós da palavra
voa no horizonte do vento


suspende-se
parágrafo
nos ramos das estrelas
sente os luares da semente
e renasce


nasce madrugada
cresce redenção


ah! as fotos!

as fotos depois dirão.

Brígida Luz

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Em que estrela repousará teu rosto?





Em que estrela repousará teu rosto?

Em que lugar dança a primavera?

Eu sou as flores que murcham

sobre a mesa, um nome quieto

à tua espera.

Procuro a tua voz no rodopio das árvores

e do vento caem nomes

e nuvens da infância. Preciso das tuas mãos puras

para descer a chuva

ou mover as pedras.



Convoco o esquecimento

para escrever os dias

em sílabas que resistem a raízes

presas à maceração da pele.



Talvez seja este o tempo de partir

ou de me dividir

em silêncios [ávidos de palavras].



Em que estrela repousará teu rosto?



BL

sábado, 17 de maio de 2014

Degraus do tempo




Diante de nós
degraus intermináveis de um tempo
a que regressamos.

Com as mãos iludimos
a solidão das palavras que vêm de longe
pintamo-las de compromissos brancos
adivinhamos memórias e desertos
dentro do silêncio que se apodera de nós.

Perseguimos flores
na queimadura dos cardos.

Temos agora a bondade nos olhos
e ao fundo da verdade
penduramos uma tela:
_a fuga dos girassóis.

Procuramos abrigo dentro
do fogo de lágrimas irreprimíveis
esperando que delas
possamos sair inocentes
ou redimidos.

BL

sábado, 10 de maio de 2014

No meu olhar de chuva




Na passagem do poema,

junto-me

às janelas abertas,

perto da harmonia das árvores

que, lá fora, olham o bulício dos pássaros

ou a claridade do céu.



Escrevo apenas as palavras da tarde,

lentas, quase paradas,

como o vento.



Por dentro da simplicidade

do silêncio,

penso em ti

como luz em fuga

e sei o teu rosto refletido

em espelhos

que nunca entenderei.



Porque, soube-o sempre,

inventei-te no meu olhar de chuva,

enquanto procurava o nascer do sol.



BL

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Breve será o sal




Tu ainda não o sabes, mas o teu olhar

às vezes

tem a vastidão do mar.



Vês ao longe o traço

onde o silêncio nasce



uma palavra azul

a flutuar na curva do horizonte



ou uma flor a abrir

a entrelaçar-se nos dias e a ser

primavera, em todas as estações.



Se seguires no tempo

a sintaxe da terra prometida

breve será o sal que atravessa a pele da resignação.


Leve será o vento

no coração da ilha.



BL

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Reencontro


Fala-me agora de todas as vezes

em que habitávamos o pôr do sol

e só nós percebíamos o incêndio que ateávamos

para lá do véu dos sonhos.

Talvez demandássemos a luz de abril

ou as promessas de um sentir

em que os corpos amaduravam.

Olho-as daqui, breves e frágeis, as promessas,

imersas no nevoeiro das grandes distâncias.

No fundo, penso-as retidas num tempo

cuja morada se mudou.

Somente os ecos se mantêm

e os silêncios submersos nos rios que correram.

E as memórias

a fluirem nas veias de um poema

para que o tempo se reencontre,

habitável,

para além da eternidade.



BL

14.04.14

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Entre o sono e o sonho




Suspensa do teto, a noite em movimento
a mapear memórias
pelas idades dentro.

A retomar a construção
de fraturadas improbabilidades
alimentadas pelo clarão verde
de exígua chama
mar noturno
a deslizar
numa espiral de estrelas.

A emergir das águas infindáveis
em redemoinhos de rostos e incêndios

a galgar margens extasiadas
em minúsculos estilhaços do tempo.

A iluminar o sonho
na vertigem dos nomes gravados
na claridade da pedra.

E os meus olhos
longe
na lucidez do silêncio
sementes e uni_verso
no interior da luz.



BL





quarta-feira, 9 de abril de 2014

Regressámos ao silêncio






Regressámos ao fundo do silêncio. Não aquele silêncio

que tem por fundo

o ventre do arco-íris ou o verdejar dos pássaros.



Falo de um silêncio escuro, como

o luto

ou a dor. Ou uma flor

silenciada em tons de melancolia.



Os olhares não se tocam. Movem-se, às vezes,

como sobras de reflexos prateados

de um mesmo mar de solidão.

Dissolvem no ar os sonhos congelados do mundo.



Rostos amassados.



Ar dentro das mãos,

apenas.



Brígida Luz

terça-feira, 8 de abril de 2014

O mundo da lua


Caminho por entre luas lentas
como se o chão antigo
não me reconhecesse o nome.

Escavo memórias vadias
entre os pavios das insónias

semeio grãos de areia
nos interstícios do vento.

Sou uma aragem de criança
entre o desespero da chuva. E a seara
uma hora impossível

a rejeitar o tempo.

Sou a voz da pedra nua
quando atravesso as palavras

a névoa das reminiscências

a cegar de sombras gastas
a luz tua

distante guia

que apaixonadamente a noite amplia.




Brígida Luz

domingo, 6 de abril de 2014

Meto-me para dentro, e fecho a janela - Alberto Caeiro




"Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito.
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme."

sábado, 5 de abril de 2014

Como se nada mais se concedesse

Foto de Martin Marcisovsky

Sentar-se na extremidade do sofá,

olhando os olhares, como se

a nada pertencesse,

como se nada mais se concedesse

que o girar dos gestos,

sons caídos dos dias sós.



Ficar calada como a noite,

inventar barcos nas pontas dos dedos,

por detrás do imaginário das esperas.



Depois, sair do corpo,

transformar a noite em tempo,

ter trajetórias e cais,

rente às palavras eternas,

às árvores,

ao vento.



Brígida Luz

segunda-feira, 31 de março de 2014

Imprevistas madrugadas



 
 
E talvez hoje me possas dizer

da passagem de uma luz generosa

em que te aceitas vivo e te confundes

com as árvores da manhã.

Caíram sobre o silêncio do rio

imprevistas madrugadas de primavera.

E tudo muda, o vento, o mar,

as terras alagadas. És tu a memória

do mundo, a pele das casas caiadas.

És tu o tempo do teu corpo, a raiz da tua

estrada.

És tu a folha branca e a palavra clara

em que refazes o chão onde tudo se aproxima

dos fascínios adiados dos teus olhos.

 
BL

domingo, 16 de março de 2014

Transcendência




O céu como temporal
sobre o atrito da rua lenta
enquanto escondo o frio
nas mãos
e aqueço as aves
nas palavras.

Todos os dias o sol
a nascer
e eu, ao canto da sombra,

[viagem adiada]

mudez estranha retraída na obscuridade
dos olhos.

Talvez me aguarde o tempo
de transcender numa metáfora
a trajetória
de um corpo quebrado, ofegante
depurado na dimensão triangular
da claridade

e aceitar como um incêndio as águas que caem
por dentro do silêncio espesso
de vozes mutiladas.

Hei de, quem sabe, regressar à memória de Deus
lugar e tempo
que me dói, e que me dói, na chama
que se apaga na sala
e, secretamente insubmissa, me reclama
árvore, pássaro, alma, apenas

seja na ilusão de urgentes nuvens incandescentes
ou na espera incerta da projeção da luz
como imagem da casa.

BL

domingo, 2 de março de 2014

A silente concretude da pedra


Um fio suspenso
a incerteza de um traço
a invisibilidade da voz.

Como um percurso que se substitui
num intervalo mais denso
da mudança. O aparente
movimento de existir.

Gostava de entender
a silente concretude da pedra
nas raízes da noite.
Nem que fosse apenas através
de um filamento de pássaros
gelo a diluir-se no tempo
ou uma chama débil
a iluminar-me os olhos vastos de sede
da primeira água da manhã.



BL

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A fenda




Pergunto-me se essa tua
aparência de longe será
somente distância
ou sobretudo ausência

[ por detrás dos olhos ]

no interior de ti.

Esvaziámos as palavras dos significados
que nos resgatariam da fenda
no fundo do mar.
Já não temos ninhos
nem barcos de papel, nem pedaços
do tempo
dentro das palavras.

Habituámo-nos a não nomear
os incêndios
e tampouco sabemos se existimos
dentro dos nomes que pronunciamos
para que possamos ficar.


BL

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Por dentro da espessura da chuva





Nunca sei se é sobretudo o medo
ou o choro da noite
aquilo que sobressalta
os fiapos de luz por onde
indecisa
se vai movendo a madrugada.

Por dentro da espessura
da chuva
a rua
é um tempo de cicatrizes
renúncias humedecidas no chão
de vidas imaginárias
máscaras
mandatárias de histórias
que não são as suas.

Ajusto o corpo aos contornos das palavras. Abrigam-me
algures
nos vidros da janela
e acrescentam ao silêncio
que me sobra
o sonho
[ou desengano
das molduras de afetos
[e de ausências
que me cabem dentro dos dias.

BL