domingo, 25 de abril de 2021

Na reinvenção da voz

 


A ventania tolhe a memória

recolhida na linha do arvoredo. Mas as minhas mãos errantes

disfarçam marasmos entorpecidos

enganam fins-de-tarde

dissolvidos no inverno do olhar.


Sorvem o livre movimento das ervas

de onde se ergue a lonjura do tempo

e horizontes antigos abrem-me no corpo

a brevidade do sonho

ou do esquecimento.


Como um silêncio antigo

à procura da sílaba exata na dança dos pássaros

refaço a voz na reinvenção das horas


e vou inscrevendo o crepúsculo e ramos

despidos

nas raízes dos afetos

que me prendem

ao azul inicial da palavra.


BL

01.02.14


sábado, 24 de abril de 2021

Amanhã chegarás mais cedo

 



Amanhã chegarás mais cedo e será quando

a primavera entrar pela janela.

Num instante tudo se sobrepõe à

tempestade de silêncio e

será quando um sonho de palavras

felizes me assombra e me leva embora

:

a tua voz

e a tua ilha no lado de lá

das rugas do mar.


20.04.21

BL


terça-feira, 13 de abril de 2021

Muros



 

A voz do trompete a gemer

na dormência da luz.


Poderá ser o grito da loucura a revolta da

dor

contra a inclemência do caos universal

a trancar o tempo da utopia.


Nos escombros da luz chora o trompete

e a solidão da criança no coração do olhar.


Dir-se-ia uma epifania amarrotada

um silêncio náufrago

cúmplice da salvação sem farol.


E os meus olhos cobertos de sombras devastadas

bloqueados por um mundo em dissonância

procuram um verbo que nos devolva as estradas do mar


e


num lamento de sangue partilhado

evocam fantasmas e demónios

uivos que me consomem

omnipresentes.


BL

13.04.21

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Procura nos lábios a maciez da palavra


 

Suspende a voz

porque não sabe o movimento

que pode ousar.


Procura nos lábios a maciez da palavra

mas tropeça num espaço

onde as consoantes resistem e cegam

a fluidez do gesto e das certezas escorregadias

nos entretantos.


Pouco a pouco percebe

que já não existe o tempo de

ajustar o olhar ao som multiplicado

do virar das páginas.


Para

quase sempre

antes que as palavras já não sejam

as dela

e o céu da boca se incendeie

na semente circular da dúvida circunstancial.


BL

08.04.21