sexta-feira, 18 de julho de 2025

Sabia-te vento

 







Senti a pele da água

tocar o fundo da lembrança

fria

e fiel

[ uma língua que não se aprende ] 



Sabia-te vento

nos braços da raiz

quando o chão ainda falava

em pulsações antigas.



Há olhos que colhem

o quase-nada

e fazem dele

eternidade.



No consolo da imagem

o corpo despe-se do peso da armadura.

Não em fuga

mas por desejo de leveza.



E se tudo for ilusão

então que essa me console



como o sopro do mundo

nas cinzas da terra.





BL

14.07.25







terça-feira, 15 de julho de 2025

Entre silêncios

 





Entre o segundo café

e a sombra da tarde

o mundo muda de cor

e o tempo curva-se

sobre si.


Clarões de lucidez

chegam sem nome

sem hora marcada. Relâmpagos

não pedem licença

e trituram o silêncio em mil verdades.


Distingo vultos

dentro da neblina

desenho contornos de ausências


e entendo memórias

sem lembrança.


Como quem abre os olhos

no meio do sono

e reconhece o próprio nome

na voz

de um pensamento esquecido.






BL

15.0725





sábado, 12 de julho de 2025

Van Gogh mordeu-me

 





Dançam os girassóis na boca do lume
pinto com dedos de sombra
os traços impronunciáveis.


São memórias em carne viva
folhas abertas sobre o peito
onde o tempo repousa e sangra.


Dizem que o amor é só miragem
mas eu vi estrelas acesas
nos olhos de quem ficou


e em cada pétala tremem
as promessas que a noite engole
quando o desejo se curva à ausência.


Componho altares de silêncio
e entre cada beijo por inventar
a chama soletra o teu nome.


Van Gogh sorri do fundo da tela.


É preciso ser flor para entender
aquilo que a luz guarda no seu grito.




BL

12.07.25





sexta-feira, 11 de julho de 2025

Fragmento em contraluz

 







Rasguei a ausência

com dedos lentos

como quem se despe do tempo.


Aprendi a pele

na fricção suave dos dias


mesmo os dias que sangravam.



Aquele verão tinha margens de sal

e procurávamos terra

em bocas de fruta

sem polpa

sem perdão.



Tu eras voo

entre raízes.


Eu

um mapa sem norte
a tropeçar em sombras verdes.



Hoje

somos silêncio em trânsito.


O teu olhar

promessa aérea


o meu corpo

véu em combustão.



Neste lado da memória
o sol pisca palavras quebradas.


E a borboleta

imóvel

e sábia


murmura nomes esquecidos
sem idade

e sem língua.



No outro lado do tempo
a tarde escorre


como rio que não sabe
onde começa o mar.






BL

11.07.25








sexta-feira, 4 de julho de 2025

Ritual de permanência

 





Escrever é abrir sulcos

em pedra adormecida



tornar gesto a memória do toque.

Como quem ateia brasas no ventre do escuro.



Num qualquer lugar sem mapas

onde o abismo tem paredes de silêncio



encosta-se o olhar à vertigem

e o corpo habita a lentidão

daquilo que se mantém ausente.



Entre ruínas invisíveis

ergue-se um altar de ecos. Vozes submersas

vibram

na ossatura do tempo.



Nomeia-se o infinito

na espessura da sílaba.



Permanece-se.







BL

04.07.25






quinta-feira, 3 de julho de 2025

Sem destinatário





 

É neste quase-nada

que o corpo reaprende o peso da sombra

o frio da espera

a vertigem de escrever

sem destinatário.



Memórias estilhaçam-se

num tempo interior

que pulsa no silêncio.



Reza-se uma oração

sem fé



apenas para não esquecer a voz.



A espreitar um universo suspenso

entre o instante

e o infinito.



Escavam-se camadas

de uma luz imóvel



num ritual

de existir

entre escombros.





BL

03.07.25







terça-feira, 1 de julho de 2025

Mais de água do que de pedra

 






Um refúgio

à margem

do silêncio.

Mais de água

do que de pedra.

Que molde

dissolva

transporte.

Talvez uma busca

pelo coração secreto

da casa primordial.

Um rio fluido

que não escape entre os dedos.

Beleza líquida

feita de vento e memória

neste lado do tempo.

Um reencontro de palavras

pele

e sal

como quem guarda um frasco de mar

à espera da próxima onda.





BL

01.07.25