sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Cantiga d'amigo - Eu temo de vos perder

 




Com belas donzelas bailastes, amigo,

todas com paixão por vós.

E eu por vós ensandeci,

desde o dia em que vos vi.

Ai de mim, por Deus, amigo,

nunca deixeis de me querer.


Olhai só p'ra mim, amigo,

que é de vós que eu quero ser.

Não olheis p'ra outras delas,

que eu temo de vos perder.

Ai de mim, por Deus, amigo,

nunca deixeis de me querer.


Ai, amigo, meu coração

já não sabe o que fazer.

Avisa-me que cai ao chão

se tiver de vos não ter.

Ai de mim, por Deus, amigo,

nunca deixeis de me querer.






BL

24.01.24











quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Sonho


 



Sou apenas a cinza do último cigarro,

a pena que a gaivota perdeu em voo planado,

dentro de um grito a palavra escarpada,

uma memória desfocada.


Sou um sonho que olhou e não me viu,

um esperar desesperado,

uma nuvem em mares de tempestade,

um tempo que passou e riu.


Como ser

a brisa suave entre o vazio dos espaços,

a serenidade de um rio,

o silêncio azul da madrugada,

um poema, na luz limpa e renovada?



BL











quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Andamentos

 





Naquele lugar que marcava o estado inicial

saciávamo-nos em pulsações nervosas

deixando que o mundo fluísse

em relógios invisíveis

na clareira do tempo

que suspendo na memória.


Sem voz para cantar

até que a paisagem adormeça


calo-me agora

para que o retorno aconteça


e

na indefinição dos mundos

possa reinventar a cor


ver longe

e partir


reconhecer-me una

e voltar a ser só uma

dentro do que sobrou

e sou.


Porque

de súbito

é tangível a realidade das sombras

e ecoa

ao limiar da foz

o piano do último andamento.




BL

09.03.2010







sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Falésias de sal

 








O horizonte geme chamas

sobre as águas.


Na ilusão de uma crença onde te abrigues

soletras sílabas de incerteza

num gesto distraído

à boca da noite.


Caminhas sobre o silêncio

falésias de sal

preso ao enigma do crepúsculo.


Encandeado pelo limbo das estrelas

traças mapas de viagens


[ inocência dos pássaros que te atravessam ]


e acendes verbos no poema.


Sacodes o orvalho do rosto

percorres os olhares povoados de mar.


Próximo e distante

afundas o teu coração

na cumplicidade das veias.


A metamorfose das águas

cabe agora nas tuas mãos.



BL

05.01.24











segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Em (des)equilíbrio

 





Os meus passos perdem o equilíbrio

quando roídos pelo desequilíbrio dos dias

que apenas morrem 

como se fossem pedras paridas por um poemário

em que o sol se deita quando nasce.


Pergunto-me pelos fios de luz das manhãs

pela maciez do rio que entrava pelo espelho


pergunto-me pelo dia ornado de laços

e sorrisos de natal

pelo dia em que o vento me possa trazer fitas de malmequeres

e o meu rosto não reflita

o sal invisível dos pedaços de palavras.


Pergunto-me pelo tempo 

em que ainda venha a tempo de marcar encontro comigo

de me perguntar por mim mesma

e rasgar as grades prisioneiras dos medos

no reequilíbrio do gesto.




BL

08.12.11