sábado, 28 de novembro de 2020

Já não existem janelas

 


A minha rua chove de solidão.

Os rostos partiram

lívidos

e levaram com eles os portões abertos e

os risos das crianças heróis

da fórmula um

em carrinhos de madeira construídos

nos quintais.

Nos muros da minha rua sobe o abandono e

entranham-se odores de podridão.

Já não existem janelas e

neste silêncio vazio de lágrimas

eu já não sei as horas

e fujo

fujo

sem caminhar.


BL – 28.11.20





sábado, 21 de novembro de 2020

Ao fundo, uma parede em branco


 

Penteavas-me a trança

e metade de mim a ser

a parede em branco

ao fundo dos meus passos vagarosos.



Caminhava para trás

os braços despidos de folhas



estendidos para dentro

dos teus olhos a dizerem vai



que é frágil

e débil

a luz que sobra.



E eu a atravessar a rua antiga

e eu a ser

correndo

a outra metade de mim.



BL

sábado, 14 de novembro de 2020

Pássaro de todas as estações

Foto de J. Luz

 


 

O som do desterro cala-me

a voz


e o silêncio entranhado

nos versos

afia as arestas do pensamento

disperso entre veias de

ventos e de inglória bonança.


As palavras pararam porque

o tempo sucumbiu

no pretérito imperfeito das memórias


e nas praças ateiam-se incêndios

a clamarem a ilusória mutabilidade dos corpos.


Selaram as portas

e os rostos explodem desamores.


Longe

muito longe

transporta novembro o meu olhar de outrora

pássaro de todas as estações.


BL