sexta-feira, 26 de junho de 2020

Meu amor





Apesar de tudo


meu amor

cresce luz

em nuvens de inocência



pétala vagarosa

alva neve



e deixa que o vento te leve


leve.





BL - 26.06.20

De costas voltadas para a janela




Estou sentada num dia a morrer vazio.
O canto recostado na inclinação
do silêncio
e o vento
inquieto
baralha-me o pensamento arrastado e
sem certezas.

Não sei se faz sentido recolher palavras espalhadas
ao acaso
e alinhá-las de novo de um modo embaciado

enquanto as mãos correm para
lugares de melancolia
às vezes crateras abertas por um sopro gelado de nomes irreconhecíveis

pela escuridão.

BL
25.06.20

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Ilusória é a sílaba que flutua

Fechamos os olhos e
entregamo-nos à transformação da palavra
alquimia
luz imensa de substância pura.

Escutamos a sabedoria do mundo
somos corpo na justeza do gesto
ou então imagens dispersas
promontórios que atravessam a noite
escura.

Percursos às vezes partilhados
na imensidão das horas
na penumbra já tardia.

Ilusória é a sílaba que flutua
abstrata sensação de abismo
sem verbo e sem forma exposta à fluidez
do (en)canto.

BL - 17.06.20

sexta-feira, 12 de junho de 2020

A tarde deixa-se tingir de poesia


A rua respira um tempo comum e solitário
a tarde deixa-se tingir de poesia
nas mãos a claridade na urgência de um afago
melancólica neblina
e indistinta.

Rede de memórias
dentro do vento que persiste
e rumores que se dispersam
no eco transversal do teu nome.

Acendem-se rostos em ardências encontradas
e por entre os espaços do que fomos
chegam-me as vozes de um alfabeto imaturo
no coração quente de palavras felizes.

Breves e mortais
[as vozes]
ondular de águas sustentadas por
distâncias impalpáveis e inexatas
a estenderem o movimento das mãos
no interior de um tempo que abraçamos
como prodígio.

BL – 12.06.20

sábado, 6 de junho de 2020

Tempo solar


Murcham os cravos
frágeis
a celebrarem a ironia do verão.
A buganvília não floriu
talvez a fome entranhada na extremidade da raiz.

Alongam-se as horas
agudas.
Alimentam a insónia
quando as
sombras se pronunciam mais densas.

Vagueiam pela casa
ardem
e gritam
enquanto recuperam memórias a preto e branco.

Um dia terei encontrado paredes de silêncio
onde a minha voz encostará a febre das palavras
uma árvore de raízes que
não morrem. A minha lucidez
ou o choro do poema.



BL - 05.06.20

Grande plano





O caminho é para onde o silêncio se veste de lavado
ou os dias reaprendem a viver
em plena primavera.
Abotoa-se a pele e evita-se a dormência
das janelas batidas pelo entardecer.
Saltam-se precipícios
ou corações magoados que nos
atravessaram parte do tempo.

E continua-se a ser futuro.

BL - 22.05.20

A meia voz

Existem dias que nunca chegaram
e poisam na vida
desajeitados
na hora em que os pássaros se acostam
ao último voo.

Vertigem fugaz da caixa de silêncios
a trilhar um caminho circular.

Os olhos habitam-nos o horizonte
e as sílabas pronunciam-se desajustadas.

Cresce um abismo de lugares vazios
e
de repente
sobrepõem-se todas as coisas por ordenar.

Espetros de um labirinto de sonhos
a anteciparem a voz da manhã
naquilo que vivemos por dentro
sem remédio.


BL - 19.05 20

Abstração

Prolongar-me nas palavras ramos da alma
a germinar o vento. Redemoinhos
de sílabas a despertarem
alvoradas
adormecidas
de cansaço.
São breves as horas os dias
imensos
retrocessos
recomeços.
Inclina-se o verso
eco disperso a rasgar a pele.
E o silêncio dobrado de medos é um
rio suspenso a reinventar a raiz do tempo.


BL - 16.05.20

Recolho os verbos de todos os poemas

E fico à espera que um dia
a tua voz chegue da lonjura do olhar
ou um pássaro voe atravessado de luz sobre a minha pele.

Em ti existirão as sobras de um abrigo
a melodia em ruínas
a estridência do que não foi dito.

As palavras serão matéria da noite
nuas como a alma
guardadas em mim como sussurros dos teus passos
a entardecerem nos versos.

No turbilhão da vertigem
recolho os verbos de todos os poemas
pedra definitiva
consentidamente perdida na cegueira do erro.

BL - 13.05.20