segunda-feira, 26 de junho de 2023

E a luz persiste

 



Os navios partiram

e ainda assim

as gaivotas continuam a voar

dentro dos meus olhos. Há mar

há muito mar

e eu ainda não me perdi.


Encosto ao silêncio

a minha pele de sol

segredam-me os búzios

que ainda não é o fim.


A inquietude é apenas uma brisa

a desfazer-se

nos últimos fios do entardecer.


Os olhos pintam de dias claros

o horizonte

e as palavras abrem-se

luminosas

por entre a harmonia das nuvens

na esperança de que uma gota de chuva me venha buscar.


BL

29.12.11







domingo, 25 de junho de 2023

Ao fundo da casa

 



Ao fundo da casa

o tempo de um rio


e um fio de milagres

simples e claros

de romãs vestidos


repartidos

na água que cresce

em forma de boca.


BL

19.11.12









sábado, 24 de junho de 2023

Trago nos braços um mar invisível





Trago nos braços um mar invisível

e dentro de mim um rio

a recordar-me os pássaros

esquecidos na linha do vento


[ como quem se perdeu na viagem

e chegou atrasado ao tempo ]


e a vastidão do azul

que a passagem da luz amplia.


Ancorei sonhos dentro dos meus olhos

escrevi a vida à beira de um cais


[ em folhas submersas o céu

que se esvai ]


Resgatei das pedras a cadência do verso

celebrei as estrelas

nos fantasmas da noite

abri as portas às madrugadas.


Mas as sombras continuam a crescer

na mudez do corpo

aves de fogo

silêncios das minhas mãos.



BL

29.01.12















sexta-feira, 23 de junho de 2023

Vigília

 




É possível que eu não saiba a primavera nos gestos leves

das minhas mãos

e que as estrelas sejam breves

nas minhas noites claras.


Nada prometo aos pássaros

que acendem no mar

a lua

deixo escapar entre os dedos

os céus que se estendem entre chuvas de mel

sob as minhas pálpebras.


Nunca entenderei bem os silêncios

da casa

apenas escuto os sinais invisíveis

da vida

enquanto guardo palavras inacabadas dentro dos búzios

das madrugadas.



BL

14.08.11








quarta-feira, 21 de junho de 2023

Dia de chuva-sol

 



Rasgo as palavras

em pedacinhos de silêncio 

e na alma de um violino

lanço o  poema ao vento.

Ao longe

o azul-céu do tempo

o teu e o meu

as brisas de maio

o olhar-repouso

o regresso à nascente.

Devagar

na raiz do corpo

há um verso sem dor

a harmonia de um rio

a voz rouca

distante

da paisagem ausente.

Ao longe

a inquietude das horas

a inexorável recorrência

da memória


[em murmúrios de sal]


a fagulha de um amanhecer

em dia de chuva-sol.




BL
14.05.12






terça-feira, 20 de junho de 2023

O voo largo da gaivota

 



Não deixes que nos teus olhos adormeça 

a rota

do voo largo da gaivota,


que a turvação do sal te anoiteça

a corda do relógio

feitor de papoilas e madrugadas,


que a lassidão do grito te emudeça

o eco de palavras resgatadas,


que o vento te rasgue da memória

os gestos desnudados

na orla da paisagem renovada,


que o tempo te sopre da folha branca

os sóis que resguardas

em linhas depuradas.  


BL

20.03.10








A minha seiva

 



Respiras os dias puros das flores dos montes

nos horizontes do teu olhar.

Enches as marés vazias

em que naufragam os meus silêncios escarpados,

intervalos de sonhos multiplicados

ausência de gaivotas e azul.


No deserto da cidade

reinvento-me na tua rua,

sacio-me nas tuas raízes,

enrolo-me na tua sombra,

abraço o teu chão com a força dos meus passos.


Deixa-me ficar assim,

em equilíbrio na linha do teu caminhar.


Olha-me e tenta escutar.


BL

28.01.10






Rios submersos

 




Dentro de mim voam os silêncios

do tempo em que abria as mãos

e estendia os dias

nas águas claras do sol nascente


abraçava-me o horizonte

no céu de manhãs infinitas

deitadas em véus de espumas ardentes

delírios de verão


desnudam-me ecos de vozes interditas

que transbordaram

de rios submersos em sombras de um destino vão


suspendo na mudez de um grito

a erosão das palavras vestidas de emoção

e retoco no espelho

a verdade da ilusão.


BL

18.01.10









domingo, 18 de junho de 2023

Areias de outro tempo

 



Renascem as palavras

no abraço eterno do azul do vento

erguido de um mar de pirilampos

que nos cantam as areias de outro tempo.


Quanto de mim se espraia

no verde

da tua melodia.


Bebemos o esplendor da alvorada

contudo o sol não é meu

e o poente

é sempre

no avesso do meu horizonte.


BL

30.04.10





(In)quietude






O mundo acordou fechado

dentro de um corpo que se ajeita

atrás da sombra desfeita

e as mãos

libertas

num indefinível harmónio

de palavras

silenciadas


sementes antigas

sob as linhas da pele

ecos traídos de inquieta poesia

que teria sido


infinito o tempo 

em que arrasto o dia

na memória fria de relógios tensos

sobreviventes no quarto decrescente

de um redemoinho 

imóvel 

perfidamente.



BL
01.08.10





sexta-feira, 16 de junho de 2023

Cresceram girassóis dentro dos meus olhos





Arrasto comigo um silêncio d’água

náufraga de memórias distorcidas

inclementes

que desenham palavras ilegítimas

e atiram pedras desesperadas

contra os ténues fios de luz

pendurados neste sábado.


As horas morrem na fragilidade das paredes

e eu mergulhada numa nuvem solitária

à procura de um tempo ancorado num arco-íris

sem saber como renascer

deste redemoinho que me dilui

em círculos de desilusão.


Sinto saudade das sementes que lancei à terra

dos campos de girassóis que cresceram dentro dos meus olhos

quando o tempo ainda não existia

do repouso dos silêncios

de um mar de luz e de mel

a entrar pela janela.


BL

19.11.11








Não-tempo

 


 


Ainda me procuro naquele silêncio arrastado

que o vento levanta. Mas os meus olhos estão gastos

deles sobram apenas as raízes

e a luminosidade baça

que atravessa a vidraça

e arredonda o vazio da sala

repleta

de uma fumaça em dó maior

a pontilhar os móveis

que (no fundo) já lá não estão

também eles querem ser

desmemória.


Então invento um refúgio

num chão

feito de um não-tempo branco


[ onde também eu perdi a cor ]


e de portas trancadas por dentro

que me asfixiam

na dor.


E naquele silêncio arrastado que o vento levanta

há ecos de passos

que passam sem passar

e fogem fogem fogem

e deixam uma voz

que na brisa me avisa


_ Antes ser pó

esquecimento e cansaço

no meu descompasso

do que ser laço lembrança

veludo ou aço

na árvore em que não sou

nem folha nem sombra da vossa história.




BL
08.02.12







A dor do poema






Lá fora

num céu desabitado

o voo desajeitado de um pássaro ferido

na voz acesa do vento

na linha agreste do sonho rasgado.


Fogem árvores nuas

no sentido inverso ao do tempo

e na margem da alma

que o frio intenso consome

as horas

lentas

choram laços invisíveis

são folhas mortas a gemer desalentos

ecos inquietos

pedras

rios dispersos

onde as palavras perderam a cor

o silêncio magoa

o poema é dor.


BL

10.02.12

 


 

Os barcos chamam por mim

 




Os barcos chamam por mim

e eu poiso a cabeça 

sobre o equilíbrio dos dedos

a traçar ruas de acácias dentro do silêncio.

Lá fora a noite chora

entra pela janela

e deita-se nas sílabas invisíveis

que povoam a pele da casa.

O tempo demora

e há mapas cansados

por decifrar

a sobreviver

no entardecer do meu olhar.

Os barcos chamam por mim

o silêncio chora

as acácias voam

no rosto do vento


e o tempo demora.


BL

29.03.12







As rugas da vidraça

 


Estremeço ao aproximar do crepúsculo

a passar

rente aos meus olhos de bruma

há um espasmo líquido

debaixo da pele

um eco

a deixar um rasto de gelo.


Poderia ser então o murmúrio triste

da chuva

uma réstia impura da memória

o entrelaçar dos tempos

da partida

da chegada

as cicatrizes nos dedos

uma silhueta anónima.


Vacilo na viagem

ao interior da lágrima

fendas nas veias

o rasgar da folha

a dor em grito

no cerrar das pálpebras

o dia a soluçar

em gotas de melancolia

a

p

i

n

g

a

r

nas rugas da vidraça.


BL

01.04.12







quarta-feira, 14 de junho de 2023

Guardo silêncios debaixo da pele

 

 



Não me querem bem as palavras

que hoje me queimam os dedos.


O futuro corre atrás de uma porta fechada

e nas veias arde-me um tempo

a sufocar na raiz de um grito.


Morro e renasço em imagens

que choram na frieza de uma tela abandonada

e me segredam hipérboles

entre a claridade e a escuridão.


Assim como quem parte para além do corpo que me guarda

visto-me de sílabas desajustadas

e deixo a alma atrás de um silêncio

que me diz tudo

sem dizer nada. 




BL

 04.08.11










Rascunho




Poderia ser um rascunho


esquecido na janela onde encosto

as chuvas da alma ou balanço as memórias

numa tela sem cor


guardado num reduto interior onde embrulho

o vazio do tempo ou afundo 

a fria dor


extinto no silêncio das águas onde esvoaço

entrelaços ou diluo

desacertos


dissipado nos ramos do vento

planura de espaços onde me faço

eterno movimento


caído numa lágrima onde me cega

a luz que não passa 

e me dói a morte dos pássaros.



BL

12.01.11






terça-feira, 13 de junho de 2023

A luz dos malmequeres

 



Nunca me disseste que partirias

ao romper do dia e que eu ficaria

a conversar com o gelo da noite que acabara de chegar

à procura de nós

e à procura dos nós que já não havia

para simular.


Ficou uma nuvem de chumbo

pendurada no teto

e em mim um abismo de memórias

descompassadas e um silêncio

de ervas daninhas

que

l.e.n.t.a.m.e.n.t.e

me entupia as veias.


E como nunca me disseste

eu não sabia ao certo

que palavras devia transmutar

para que pudesse conjugar a ausência das luas

nesse cinza prematuro.


Mas a pele sentia que

o sopro dos versos desnudaria um muro

onde rasgasse uma fresta e deixasse romper


a luz dos malmequeres

que aos pássaros viesse lembrar

que entretanto amanhecera e que


no poema que se fez manhã

já era primavera.



BL

27.01.11





segunda-feira, 12 de junho de 2023

… ou tão-só um poema

 


E no vento

o que ficou da terra ardida

um coração de neblina

um corpo carregado

de regressos


ou tão-só

o frágil instante das ausências

o indefinível de nós.


Semeio a cor

sob as ardências

vertiginosas do verão


sob os fragmentos de horas circulares


inexoravelmente lentos

inevitavelmente sós.


Recolho na palma da mão

o silêncio gritante das esperas


talvez apenas o voo hesitante

de náufragas sílabas


ou tão-só

a memória de um tempo invisível que parou


inatingível


dentro de nós.





BL

07.07.13