segunda-feira, 26 de julho de 2021

Fragilidades

 


Sou tão pouco

agora.

Vejo olhares que passam por mim

como quem lamenta o fardo da terra árida.


Todas as árvores que plantei

estão cobertas de flores.

Aparo-lhes os ramos secos

só eu e o meu reflexo diluído


muitas vezes inapta

na solitária tarefa de nelas recortar

o ângulo mais perfeito do amor.


BL






domingo, 25 de julho de 2021

Os meus olhos lá fora

 

Com o exílio das palavras

regresso a memórias incertas

e afogo a voz

no vazio infindo das esperas.


Silhuetas dispersas no meu caminho

aglutinam-se verso

em sulcos de solidão que escrevem lágrimas

como raízes rasgando escarpas

cambaleando entre fragmentos do céu.


Pisam-me portas fechadas

e os meus olhos lá fora

apenas vão


[estranhos gritos inaudíveis

ecos perdidos na noite]


assim

devagar.


BL


sábado, 24 de julho de 2021

A face oculta da luz




 

Constantemente me acordam

dos silêncios

em que me ausento de mim

e me encosto

à face oculta da lua

dentro de uma vontade

em que amanheceu o dia.


Pertenço-me

nua nas minhas memórias

são meus os leitos dos rios

os muros

os cais

onde atraco a minha insónia.


Deixem-me ficar aí

leve

erma 

isenta de pontos cardeais


nesse fim-de-noite efémero

quando 

libertos

os meus olhos voam.



BL




quinta-feira, 22 de julho de 2021

... ou não

 


Podemos iludir a metamorfose das sombras

e saborear o encantamento das palavras. Lado a lado

vamos clareando as vozes

na inquietação dos silêncios.

Às vezes, embalamos a dor ou evocamos pássaros aturdidos

viajantes perdidos de canções antigas.

Procuramos nas paredes as imagens

onde julgamos existir ou tocar as movimentações da luz

numa [ talvez ] imprevisível linha de tempo

ou na cumplicidade de uma carícia do horizonte.


BL

21.07.21












quarta-feira, 21 de julho de 2021

Trilhos

 




Adivinho novas esperas

na viagem desabitada

dos olhos


a luz a definhar

nas veias


o silêncio a correr

por dentro da indefinição

das ruas.


Levo raízes

e ramos


não sei

onde abrir as mãos.


Pesa a palavra

entre os dedos


no sono visionário

das horas.


Poderia seguir

fios de seda


não sentir o peso

do sal


se me fosse possível

esquecer

a imagem de ontem


que de dentro me olha

e me sabe de cor


e na eternidade de um rio

sonha sonhos antigos


a germinarem o tempo


devagar


d.e.v.a.g.a.r.


BL



segunda-feira, 19 de julho de 2021

Compassos de água

 



Guardo nos olhos um lugar de silêncio

um fio de palavras em lágrimas soltas

compassos de água

melodias de outono a caírem do céu.


Dos nomes

seguro a luz dispersa. Os retratos passam devagar

a ensinar a vida

como as árvores

ao longo das estações.


Detenho o corpo no anoitecer do tempo

ajustando a voz

ao lento movimento do momento certo

do urgente prenúncio dos pássaros

ou da metamorfose do vento.



BL







terça-feira, 13 de julho de 2021

À procura de um quase sorriso

 



Desdobro as palavras

como se nelas pudesse encontrar ainda

uma sílaba onde me abrigar. Mas as letras secaram

tal como o céu e as manhãs.


Há um rio de sombras

essas persistem em ficar coladas

aos dias


e eu sou apenas uma gotícula de água

a atravessar nuvens de tempo

e a pedir ao silêncio que se deixe dormir


para que eu me possa acordar

abrir todas as portas

construir um chão de abraços

e semear um sorriso que


se bem procurado

decerto será encontrado

lá por detrás dos meus olhos


ainda que atordoado

partido em pedacinhos

magoado.



BL




domingo, 11 de julho de 2021

O céu do sul




 


Sopra um vento

verde-mar,

sonho de prata

e luar

de luas cheias

e novas

suspensas

do teu olhar.   

Reconheço este caminho, 

som de noites

consteladas

feitas de chão

e de fogo.     

Ouço-o estender as raízes

que me enlaçam 

e libertam

da sede

em que se alimentam.

Desprendo o meu corpo

que revive

e desperta,

solto o véu

ao céu do sul

que emerge do teu porto

mito azul,

longínqua claridade

encoberta.



BL








sábado, 10 de julho de 2021

Hoje, é o teu aniversário

 



Nessa altura havia um caminho de luz

éramos felizes, Mãe,

e tu eras a claridade

que trazia a sabedoria das árvores na tua voz cansada

quando a manhã morria

dentro da minha alma parada

que doía

ao cair do dia.


Eu inventava pássaros

quando o mar ardia

tu recontavas-me as estrelas

onde eu prendia a minha fantasia

e o sorriso dentro dos teus olhos

continuava a escrever um poema

com as sílabas que sobejavam da minha vida de nada.


Para lá da vidraça

estão agora suspensos os últimos fios de luz da tarde

e eu aqui a afagar silêncios

que irão voar até ao infinito

sempre

sem parar

e levarão para ti

eternamente

as lágrimas da minha saudade.



BL








sexta-feira, 9 de julho de 2021

De amor e dor

 




No entanto, subsisto. E movo

a superfície do tempo como

quem grava na pele

a raiz contraída

do verso.



BL







quarta-feira, 7 de julho de 2021

Número complexo


 



A aceitação do amor. Ou de uma voz

a ser um mar de água doce

a evitar a branca

solidão de um deserto.


Traças no papel

um labirinto de riscos

e vês neles os contornos dos fascínios

a busca do impronunciável.


Um emaranhado de sonhos

sob a pele. O assombramento de um raio de luz

sobre a terra em teu redor.


É isto a tua verdade?


E o tempo a desviar

a peregrinação da utopia.


E o silêncio a ser

a tua voz.


BL



sábado, 3 de julho de 2021

Havia luz, nas incertezas da voz




Deambular de novo no interior

de um tempo quieto. Um tempo

em que a ilusão era a verdade a emergir

em cada rosto, em cada curva do pensamento.

Sem medos, sem fantasmas.

Reencontrar-se por dentro de si

quando a crença bastava para traçar a vida

como uma qualquer regra de gramática.

Havia luz nas incertezas da voz

ateada de um fulgor inocente

e o olhar longo, vagaroso nos verbos da tarde

era refúgio da vertigem do poema.


De repente, a vida a revolver a sorte

a gemer idades amarradas a margens

onde morrem acasos ou devaneios.

A arte de esquecer como rua

onde moram pedras e poentes.


Quantas vezes se acertaram os ponteiros

da alma?


Pouco a pouco dói o tempo

a dissolver-se nas veias


porque já não existem árvores onde escrever.


BL






quinta-feira, 1 de julho de 2021

Instante de água

 



Sobre a terra

a minha pele coberta de sombras. Desenho

um corpo de árvore

exponho-a à luz e espero no vento

os pássaros e o luar. No meu olhar

sobrepõem-se as cores guardadas da solidão.

A memória estremece à progressão das vozes

cúmplices dos vazios de uma casa de outras horas.

Os teus passos breves são

muito longe

um navio carregado de silêncio

ou a partitura em branco da nossa canção.


BL

01.07.21