quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O barro da infância



E percebi o abandono
das sementes do céu
das velas de agosto


e os rios a correrem
à altura das lágrimas.


Já aqui não estou

percebi

caminho por dentro de um sufoco
cortado pelo meio


durmo com o barro da infância

com a solidão das árvores
que aceitaram vestir-se de inverno.


Que horizonte é este
que leva os meus olhos por dentro?


Dói-me a luz
sombra da memória
a escorrer do tempo


como se chamasse pelas pedras
como se batida pelo vento.


BL

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Invernia


Nada te conto
destes muros do silêncio
em que reconto as areias do tempo


ou do oásis onde me encontro
a coabitar os círculos concêntricos
da inquietude dos pássaros.


No meio do silêncio
são tantas as cores dos sussurros do vento
e a luz
estátua de pedra
alheia à infinitude do verbo.


E dentro de mim
o tempo exposto
a tarde a cair
lenta
fria
a esculpir a cadência da chuva
rumor de metáforas
e de metonímias.


BL

sábado, 24 de novembro de 2012

Carta a minha mãe



Suspenderia o tempo
nas flores de miosótis em que tecias o azul das tardes
e a limpidez dos teus olhos vertia na minha pele
a luz onde a estrada começava
e crescia
a (en)formar o gesto
e a palavra.


Escutavas os meus cansaços
entre o perto e a lonjura
das minhas assimetrias
e nas tuas mãos de abrigo eu sentia
o tronco da sabedoria
quando às minhas verdades inteiras
tu sorrias
tu sorrias.


Por vezes sabe-me a lodo
a estrada
derrama-se pelo chão a linha do horizonte
consomem-se os dias
por entre a nostalgia da terra molhada.


Ajusto o tempo à memória
e na textura da tua voz
regresso à doçura da casa
no silêncio de um tempo de raízes e regaços
que flutua na poeira dos meus passos
entre as rugas do crepúsculo
e os escombros das esperas.


BL

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Eterna nostalgia


Ah, a noite!
inexorável
clamor
da imensa escuridão
que me agarra


torpor
de uma vontade
inadiável
que se apaga.


BL

Da simplicidade dos regressos



Caminho por dentro da palavra
e declino-a
no habitáculo do silêncio
onde te sei


[ permanência ]

na sombra lenta das horas.

Na arte do esquecimento guardas
os fios da memória e os restos
do rio em que aninhaste
o desejo
fértil
e vernáculo
de ser mar.


Caminho por dentro do silêncio
e sonho-te árvore
ramos a esculpirem o tempo
e os teus olhos de água
a entrarem por dentro da alma
a lerem na luz
a simplicidade
dos regressos.


BL






terça-feira, 13 de novembro de 2012

O lado invisível



Há um lado de mim
que não me pertence. É uma folha invisível
a voar sobre o mar
a olhar a gaivota
que abre a janela aos sonhos da lua
a buscar a verdade
nas frestas do vento
a crepitar memórias
nos olhos do tempo.


Há um lado de mim
que acende a lareira
e aquece as palavras
na casa da árvore da cegonha branca
onde amanhece a alma
quando a noite se deita.


Há um lado de mim
onde o silêncio se aceita
e o pôr do sol se ajeita
no outro lado de mim.


BL

sábado, 3 de novembro de 2012

Acabo muitas vezes por voltar




Acabo muitas vezes por voltar
e
a pouco e pouco
por saber de mim.


Dispo-me de distâncias
e olho-me
memória
a esgotar-se na efemeridade
de um tempo de colheitas
de sonhos que sonhei
quando o tempo e eu éramos
entendimento e certezas
e levávamos connosco uma réstia de céu azul
como quem se resguarda
da mutabilidade do silêncio.


Acabo muitas vezes por voltar.
Ao rio sem fim entre o partir e o ficar
à eternidade de momentos
de que só germinaram memórias.


BL

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A Luz Fragmentada



Os olhos a falarem. Em ecos
de um verde quente
a lavarem o fundo das águas
a levarem o lodo
que decompõe
a estrada.
Nos lábios
a luz.
Em reflexos intermitentes
de visões não prescritas.
A luz
e os braços atados ao corpo
num movimento inerte
de almas presas.
A luz
e um silêncio sem norte
a habitar os corpos.
A luz
e as mãos a perderem de vista
os significados das palavras
dentro de um tempo em que
exangue
o silêncio chora.


BL

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Os tempos e o verbo



Incontrolável
o desconforto das sílabas. Retraem-se
na ausência de lonjuras. Confundem-se
nos sinais desencontrados
dos tempos
e do verbo. Hesitam
entre urgências
de significados. Deslizam
entre essências de melancolia
e mãos a tropeçarem no musgo
do verso. Nem sei por que regressam
ao meu quieto
desassossego. A oscilarem
entre o grito
atado à memória
e aves
paradas no silêncio do gesto.

BL

domingo, 14 de outubro de 2012

Promessas


Eis a bruma
densa e turva
habitável solidão das ruas
utopia desmontada
a escorregar-me dos dedos.

Eis a sílaba
raiz prometida
silêncio incompleto
um sopro de vida a desaparecer
dentro da palavra
adiada.

Eis o gesto
acabado de nascer
estranha escuridão envolta
em fogos fátuos
um corpo a dissolver-se
fragmentos de abstrações
num chão de acasos.

BL

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O silêncio das árvores




Procuro-te
como se não houvesse medos
movo-me
entre ramos debruados por um tempo
que retenho
dentro de um lugar
sem tempo.

Desfaço-me
espiral de cinzas
pedaços que sobraram de um sonho
a arder
numa tela. A memória
a desenhar os rostos
a vida
suspensa
nos lábios do vento.

Caem sombras
a meus pés
desprende-se o grito
a desilusão
por detrás do espelho.

E no vazio que emerge
de um tempo incompleto
olho-me
decifro-te
na solidão do verso
a esmagar o mito.

E o rio a escorregar
exangue
em degraus de mármore
e o céu a ser invisível
a tombar
pôr do sol e mar
sobre o silêncio das árvores.

BL

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Um dia serei talvez na chuva esse lugar


Não peças mais. A incerteza
apenas
do tempo suspenso das esperas
essa luz tangencial
farol das grandes viagens
oásis de utopias.


Estarei

[ mesmo não estando ]

atenta e vigilante
contando fios de espumas
por detrás da imensidão do mar
ou do verde-longe da planície.


Nos olhos
a memória
a luz virgem das palavras.


Nos lábios
o reencontro
o rio
a fazer-se instante.


[ sente somente o fluir das suas águas ]

Um dia
serei
talvez na chuva
esse lugar.


BL

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Ser o vento


À tua volta
a inquietação dos espaços em branco


e os teus olhos
frágeis
a desenharem passos
impalpáveis


na geografia azul de manhãs perfeitas.

O chão
dorido e gasto


[ a reclamar o sal
da tua pele ]


chora nos teus lábios
o silêncio das colheitas.


Sangras moinhos de vento

[ em gemidos de invernosa luz ]

e o tempo a resistir
às velas desfraldadas.


E todo o meu gesto
quebrado e lento
a raízes amarrado


[ porém, de culpa isento ]

à espera dos teus braços
em antigo movimento
a erguer-me das cinzas invisíveis
das palavras.


BL

domingo, 30 de setembro de 2012

Traços


O lamento das águas
no silêncio dos olhos


[ veludo e aço ]

a imobilidade da tela a recolher
nos dedos as grades dos dias
a opacidade do pensamento.


Caem na terra palavras insuficientes
negras gotas de orvalho
nuvens de mágoas
indecisos laços
despedida.


Folhas breves
imprecisos passos


[ veludo e aço ]

ao lado do vento.

Assim o chão
a luz parda a escorrer na superfície
das horas
solidão do tempo


sombras

traços.

BL

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

... e o cais espera


Os pássaros cantam a terra fresca
gritam na alma os tesouros
de um raio de sol
estendido no tempo que aguarda
a música e a luz
de uma espiral por saciar.


As árvores vacilam uma ou outra vez
e o jardim suspira cansado
por não se clarear.


A borboleta brilha
o silêncio pondera
o vento partilha um calafrio


... e o cais espera...

... ou já caiu?

E o rio?

E o rio?

BL

sábado, 22 de setembro de 2012

E de novo


E de novo a arquitetura
inconcreta dos dias
sob o silêncio pálido e rasteiro
das folhas mortas.

A passagem do tempo
a pressentir turbulência
a desenhar espaços neutros
improvisos
águas vencidas de um rio
sem porto ou foz.

Dou por mim
invisível e diminuta
estátua de vidro partido
em sobressalto
atravessando palavras sem morada
aves mudas
aves mudas
na orla do beijo e da lágrima.

BL

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Certas noites



Certas vezes as noites são sorrisos
e as palavras simetrias
fluidez de imagens


oceanos de luz exalando madrugadas.

São vozes de folhas calmas
frescas e orvalhadas


indizível claridade

folguedos de luar e de pele
calor de setembro
a perfumar vinhedos.


Certas noites são silêncios
versos e bruma


redemoinhos de nadas

ausências esculpidas em fios de memórias

margens do tempo
através do tempo

a preto e branco

o tempo.

BL

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A utopia dos incrédulos



Estamos sós
sobre as águas em alvoroço
ocultos no silêncio das esperas
pássaros sem nomes
abismos debruçados dos olhos
sem princípio ou fim.

Arrastamos manhãs
deslembramos rumos
atados a restos de galhos secos
como vagas sem céus iluminados
nem ventos a soprar de sul.

O tempo alonga-se
num mar empedrado
de esquecimentos
as palavras doridas
a soletrarem ninhos vazios
no lado de dentro
da utopia dos incrédulos.

BL

domingo, 9 de setembro de 2012

Estações



Não sei onde começa não sei onde se acaba
a rua onde me ajeito. Sei os pássaros
que entreabrem as janelas
e o cansaço do silêncio que ateia o fim da tarde
na cal das fachadas.

Dobro as estações para além
de horas impalpáveis
cruzo muros e sombras alagadas
transponho os limites de um oceano
a que não pertenço.

Corro corro corro
não sei o fim da rua onde me aceito
e sou ontem
vento
rio
asas
de ontem
dentro do teu peito.

BL




quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Por dentro



Esquecer ou não
a exaustão das partidas
os lamentos
os ciclos vacilantes
as entrelinhas
em tudo
e tanto.

Esquecer ou não
a tarde caída
a poente
as lágrimas negras
os cacos no chão
o gelo
por dentro das mãos.

Esquecer ou não
o silêncio diluído
o seu avesso suspenso
a linguagem do vento
por dentro
os lagos nos olhos
imensos
a cor molhada do tempo
a vastidão das esperas.

BL

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Linguagem desfocada de um fio de água



Ontem, pintava telas
em poemas de linho

dedilhava sílabas como quem poisa
num beijo de borboleta

acendia violinos
sobre o cansaço das pedras.

Na chama do espelho
aquele fio de água clara
a viajar na alma

o vento da eternidade
a olhar para além de mim.

Hoje, o caos
no odor a terra queimada

o sol a sangrar silêncios
nos murmúrios da noite

a pedra a sobreviver

com os pés descalços
pelos caminhos secos

de um destino nu.

BL

sábado, 1 de setembro de 2012

Êxtase



Os navios partiram
e ainda assim
as gaivotas continuam a voar
dentro dos meus olhos. Há mar
há muito mar
e eu ainda não me perdi.

Encosto ao silêncio
a minha pele de sol
segredam-me os búzios
que ainda não é o fim.

A inquietude é apenas uma brisa
a desfazer-se
nos últimos fios do entardecer.

Os olhos pintam de dias claros
o horizonte
e as palavras abrem-se
luminosas
por entre a harmonia das nuvens
na esperança de que uma gota de chuva me venha buscar.

BL

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Ausência



É de borboletas que falo. E de azuis ziguezagueantes
num tempo de voos ardentes
e sorrisos vagabundos
que ruíram
magoados
no fogo cintilante do horizonte.

É de borboletas que falo. E de asas singelas
inconscientes
vestidas de regaços quentes
a esvoaçar para fora dos meus olhos
à procura das horas
bordadas a fio dourado de utopia.

É de borboletas que falo. E de incertezas dormentes
onde fiquei aprisionada na espera pendurada
dos gestos puros do nascer do sol
que libertassem do silêncio
a pele que esvaziei
quando me desabitei
ausência
no lado de lá do vento.

BL

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

(in)lucidez


… a procurar o tempo
dentro dos meus olhos

a abrir os poros para deixar
respirar as palavras
não ditas

a reorganizar a superfície
da pele

como quem mergulha os dedos
nas brisas quentes
das memórias
para transcender as dobras
do silêncio.

… a transformar em aves
o horizonte

a prolongar-me em preces
e gritos de luz

como quem estilhaça
a opressão das nuvens
que crescem na minha (in)lucidez.

… a procurar os teus olhos
dentro do tempo…

BL

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Teias de palavras sem-abrigo



Nunca as horas foram tão breves
nunca os dias se fecharam tão cedo
contornos da noite
chuva baça
sem regresso.

As linhas do tempo sustidas
pelo desalinhamento dos ciclos
e as cores que incendeiam a tela
destroços de rostos
ao longo do silêncio do verso.

As mãos erguem as memórias
retêm o rumor do tempo. Prolongo-me
pelas copas das árvores
sopro apagado das pedras
e de aves caídas
arremesso.

Nunca os dias foram tão breves
e as horas compassos distorcidos
teias de palavras sem-abrigo
retrocesso.

BL