quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

... e tu a ficares

 



A vida cortada ao meio

o negro e o vermelho

e tu

sonho de permeio.


Ilha de fogo

instante de ventos, folhas, águas

de claridade.


O tempo que foi

e tu a ficares

memória de todas as cores.


A vida cortada ao meio

e tu

crença do que resta dos aromas

da inocência.


Os olhos da verdade

à distancia do adeus na frieza

crua dos vocábulos.


Sobram os ecos

do não inteligível

o poema que regressa ao coração da noite.


Sobra a matemática das horas

no ritmo prosaico dos dias.


BL

01.12.21






sábado, 30 de outubro de 2021

Pequenas luzes que se acendem

 


Desenrolo fotos e olhares e abro o meu

caminho por dentro de um tempo feliz

recuperado de um lugar em que a vida

refletia uma luz insubmissa

e de que apenas me sobrou este silêncio.


À volta sobrevivem os movimentos alheios

soluços de tempos desencontrados

momentos complexos à procura

da liberdade de um espaço.


Esboços de histórias

fiapos de um verão em desabamento


ou então

pontos de luz que se acendem

na escuridão da noite.



BL






terça-feira, 12 de outubro de 2021

De que cor está o teu coração?

 



A personagem caiu por terra. Rodopiou

sobre a folha seca de um

guião vazio. Pouco a pouco

fechou os sorrisos

que o mito alimentava. Murcharam os ramos

e a pequena ave abandonou o ninho. Não sei

se algum voo frágil ainda a retém.


Mas vi-a reencontrar o olhar verde

do seu chão

e sei

_ contou-me_

que  agora

é maternal e.terno

o gesto claro e limpo

que pinta de amarelo o seu coração.



BL

12.10.21






quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Superfície esférica

 


Um lugar a tecer os dias que

ainda persistem.

Ruído

ausência

memória.

A esperança a dissolver-se num qualquer vento

que orienta a noite.

Dor subterrânea da pele.


A palavra como abrigo fugaz das coordenadas

da alma.

O outono na brevidade da folha

terra de silêncio a acender verbos

a arquitetar as coisas feitas de pequenos nadas.


E o dia quase a desistir do estranho sonho de ser

árvore

cada dia a ser o ramo que cai

em cima da sombra que me amarra o chão.


BL






terça-feira, 21 de setembro de 2021

Refúgio de setembro

 


 Um ruído rouco desarrumou o silêncio

congelado da rua.


Mas tu hoje não vieste. O dia alongou-se

na irremediável obrigação de existir. Cumpriu-se

o calendário das ausências


aquilo que sobra dos instantes de fogo

ou dos lugares do vento que rodeiam o teu nome.


Aquilo que sobra dentro do silêncio rouco

onde se vai dissolvendo a voz liquefeita dos pássaros.



BL

domingo, 19 de setembro de 2021

Madrugada

 


Existe uma penumbra líquida

a derramar-se sobre todas as coisas. Tudo me diz de um

caminho de silêncio inevitável

viagem de sangue que antecede a vertigem

da noite.


BL

19.09.21






sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Um tempo abstrato


 


Há uma invisível roupagem de verão

labirintos de folhagens novas

indefinidos porvires

num tempo abstrato

que se entranha

e me acorda sentires.


Não o questiono

nem lhe pergunto de onde vem.


Será uma voz, um eco, um corpo

o voo de um pássaro

que ateia mistérios

no meu rosto.



BL







sábado, 7 de agosto de 2021

Manhãs ávidas de limpidez

 

Nessas manhãs ávidas de limpidez percorro a sabedoria das árvores

e recolho

as vozes pequeninas a que me agarro

e entrego às raízes renascidas do meu corpo.


Como fumo espartilhado

acenam-me sílabas brancas de uma infância a despedir-se

formas nítidas que o tempo não fechou.

Existem nomes e ecos de horas longínquas

que chegam e se distribuem no cenário em frente à casa.


E deste silêncio quieto e doce

rolam súbitas pedras

solitárias

o vento vertiginoso para

e a manhã alonga-se

sem asas proféticas.


BL

05.08.21






quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Fragmentos

 



Talvez este espaço não me pertença

e seja apenas um lapso da minha existência


desconheço o avesso cego do instante que permanece


há rios titubeando nas cinzas

dias que me sufocam na boca e deambulam

no medo de se sentirem movimento


será que o caminho se tornou memória

ou nele apenas me sinto pó?


a pausa acontece

estilhaçada em fragmentos que se procuram no vento

antes de serem menos que um crepúsculo

espoliado de inventário.


BL






segunda-feira, 26 de julho de 2021

Fragilidades

 


Sou tão pouco

agora.

Vejo olhares que passam por mim

como quem lamenta o fardo da terra árida.


Todas as árvores que plantei

estão cobertas de flores.

Aparo-lhes os ramos secos

só eu e o meu reflexo diluído


muitas vezes inapta

na solitária tarefa de nelas recortar

o ângulo mais perfeito do amor.




BL












domingo, 25 de julho de 2021

Os meus olhos lá fora

 

Com o exílio das palavras

regresso a memórias incertas

e afogo a voz

no vazio infindo das esperas.


Silhuetas dispersas no meu caminho

aglutinam-se verso

em sulcos de solidão que escrevem lágrimas

como raízes rasgando escarpas

cambaleando entre fragmentos do céu.


Pisam-me portas fechadas

e os meus olhos lá fora

apenas vão


[estranhos gritos inaudíveis

ecos perdidos na noite]


assim

devagar.


BL


sábado, 24 de julho de 2021

A face oculta da luz




 

Constantemente me acordam

dos silêncios

em que me ausento de mim

e me encosto

à face oculta da lua

dentro de uma vontade

em que amanheceu o dia.


Pertenço-me

nua nas minhas memórias

são meus os leitos dos rios

os muros

os cais

onde atraco a minha insónia.


Deixem-me ficar aí

leve

erma 

isenta de pontos cardeais


nesse fim-de-noite efémero

quando 

libertos

os meus olhos voam.



BL




quinta-feira, 22 de julho de 2021

... ou não

 


Podemos iludir a metamorfose das sombras

e saborear o encantamento das palavras. Lado a lado

vamos clareando as vozes

na inquietação dos silêncios.

Às vezes, embalamos a dor ou evocamos pássaros aturdidos

viajantes perdidos de canções antigas.

Procuramos nas paredes as imagens

onde julgamos existir ou tocar as movimentações da luz

numa [ talvez ] imprevisível linha de tempo

ou na cumplicidade de uma carícia do horizonte.


BL

21.07.21












quarta-feira, 21 de julho de 2021

Trilhos

 




Adivinho novas esperas

na viagem desabitada

dos olhos


a luz a definhar

nas veias


o silêncio a correr

por dentro da indefinição

das ruas.


Levo raízes

e ramos


não sei

onde abrir as mãos.


Pesa a palavra

entre os dedos


no sono visionário

das horas.


Poderia seguir

fios de seda


não sentir o peso

do sal


se me fosse possível

esquecer

a imagem de ontem


que de dentro me olha

e me sabe de cor


e na eternidade de um rio

sonha sonhos antigos


a germinarem o tempo


devagar


d.e.v.a.g.a.r.


BL



segunda-feira, 19 de julho de 2021

Compassos de água

 



Guardo nos olhos um lugar de silêncio

um fio de palavras em lágrimas soltas

compassos de água

melodias de outono a caírem do céu.


Dos nomes

seguro a luz dispersa. Os retratos passam devagar

a ensinar a vida

como as árvores

ao longo das estações.


Detenho o corpo no anoitecer do tempo

ajustando a voz

ao lento movimento do momento certo

do urgente prenúncio dos pássaros

ou da metamorfose do vento.



BL







terça-feira, 13 de julho de 2021

À procura de um quase sorriso

 



Desdobro as palavras

como se nelas pudesse encontrar ainda

uma sílaba onde me abrigar. Mas as letras secaram

tal como o céu e as manhãs.


Há um rio de sombras

essas persistem em ficar coladas

aos dias


e eu sou apenas uma gotícula de água

a atravessar nuvens de tempo

e a pedir ao silêncio que se deixe dormir


para que eu me possa acordar

abrir todas as portas

construir um chão de abraços

e semear um sorriso que


se bem procurado

decerto será encontrado

lá por detrás dos meus olhos


ainda que atordoado

partido em pedacinhos

magoado.



BL




domingo, 11 de julho de 2021

O céu do sul




 


Sopra um vento

verde-mar,

sonho de prata

e luar

de luas cheias

e novas

suspensas

do teu olhar.   

Reconheço este caminho, 

som de noites

consteladas

feitas de chão

e de fogo.     

Ouço-o estender as raízes

que me enlaçam 

e libertam

da sede

em que se alimentam.

Desprendo o meu corpo

que revive

e desperta,

solto o véu

ao céu do sul

que emerge do teu porto

mito azul,

longínqua claridade

encoberta.



BL








sábado, 10 de julho de 2021

Hoje, é o teu aniversário

 



Nessa altura havia um caminho de luz

éramos felizes, Mãe,

e tu eras a claridade

que trazia a sabedoria das árvores na tua voz cansada

quando a manhã morria

dentro da minha alma parada

que doía

ao cair do dia.


Eu inventava pássaros

quando o mar ardia

tu recontavas-me as estrelas

onde eu prendia a minha fantasia

e o sorriso dentro dos teus olhos

continuava a escrever um poema

com as sílabas que sobejavam da minha vida de nada.


Para lá da vidraça

estão agora suspensos os últimos fios de luz da tarde

e eu aqui a afagar silêncios

que irão voar até ao infinito

sempre

sem parar

e levarão para ti

eternamente

as lágrimas da minha saudade.



BL








sexta-feira, 9 de julho de 2021

De amor e dor

 




No entanto, subsisto. E movo

a superfície do tempo como

quem grava na pele

a raiz contraída

do verso.



BL







quarta-feira, 7 de julho de 2021

Número complexo


 



A aceitação do amor. Ou de uma voz

a ser um mar de água doce

a evitar a branca

solidão de um deserto.


Traças no papel

um labirinto de riscos

e vês neles os contornos dos fascínios

a busca do impronunciável.


Um emaranhado de sonhos

sob a pele. O assombramento de um raio de luz

sobre a terra em teu redor.


É isto a tua verdade?


E o tempo a desviar

a peregrinação da utopia.


E o silêncio a ser

a tua voz.


BL



sábado, 3 de julho de 2021

Havia luz, nas incertezas da voz





Deambular de novo no interior

de um tempo quieto. Um tempo

em que a ilusão era a verdade a emergir

em cada rosto, em cada curva do pensamento.

Sem medos, sem fantasmas.

Reencontrar-se por dentro de si

quando a crença bastava para traçar a vida

como uma qualquer regra de gramática.

Havia luz nas incertezas da voz

ateada de um fulgor inocente

e o olhar longo, vagaroso nos verbos da tarde

era refúgio da vertigem do poema.


De repente, a vida a revolver a sorte

a gemer idades amarradas a margens

onde morrem acasos ou devaneios.

A arte de esquecer como rua

onde moram pedras e poentes.


Quantas vezes se acertaram os ponteiros

da alma?


Pouco a pouco dói o tempo

a dissolver-se nas veias


porque já não existem árvores onde escrever.


BL






quinta-feira, 1 de julho de 2021

Instante de água

 



Sobre a terra

a minha pele coberta de sombras. Desenho

um corpo de árvore

exponho-a à luz e espero no vento

os pássaros e o luar. No meu olhar

sobrepõem-se as cores guardadas da solidão.

A memória estremece à progressão das vozes

cúmplices dos vazios de uma casa de outras horas.

Os teus passos breves são

muito longe

um navio carregado de silêncio

ou a partitura em branco da nossa canção.


BL

01.07.21








quinta-feira, 24 de junho de 2021

E a poesia?

 


Sei que não tens os olhos

nas minhas palavras.

Engano a realidade e aceito o silêncio

sorrio-me e explico-me que a vida

é assim mesmo

que existem atores mudos que vivem para dentro

ensimesmados.


E a poesia?


Sei que existe

sei que acontece


vislumbro-lhe o percurso

a atravessar a dúvida

pé ante pé


no ventre onde a palavra cresce


num tempo em que a vida ou estala

ou esquece.


BL

E a poesia?

23.06.21







terça-feira, 22 de junho de 2021

Andrajos


 



Colho os frutos do chão

a carne já está oca

e sob o sangue do sol

levo-os à boca.


E no rio que em mim corre

deserdado e desnudo

mato as dores e a fome

beijo o céu e a terra

em andrajos de fogo

e de selva.


E entre os meus leitos submersos

enterro sem mapa

o meu gesto

de ser pássaro.


BL


terça-feira, 15 de junho de 2021

Somente mar

Foto de JL

 

Redemoinhos de vento isolam

as tristezas de verão

ignoram os olhares mortiços

e as pedras solitárias.


Imagino-te distante e presente

no lado de lá deste tempo que passa.


E um sonho me assombra

e me arrasta


sem caminho a seguir

somente mar

e ilha


mar

e mar.



14.06.21

BL


quarta-feira, 2 de junho de 2021

E o tempo fugia

 



Às vezes adiantava o passo

e fugia

sem se dar tempo

sem saber o espaço para onde ia.


Soletrava o amor

abandonava-se à sorte

iludia-se de horizontes e de palavras sonhadas.


Cega e oculta na mágoa que

a consumia

passava por si

esvoaçava

para um mar de promessas acenadas.


Acostava-se à voz

[ ou vertigem ]

e a sua pele estremecia.


Era a pedra a arder

dentro do grito que o vento mordia.


BL

02.06.21


segunda-feira, 24 de maio de 2021

Ardem silêncios

 


Pouco a pouco apercebes-te

de que apenas sustentas o olhar num calendário

inexato e impalpável.


Refletes na calçada passos solitários

que tingem a tarde de um vento inquieto

e semeias promessas audazes


como sonhos que adormecem sob o peso

do esquecimento

ao fim do dia.


Nos teus olhos dispersos vivem palavras

que gemem os teus silêncios insondáveis ou o sinuoso cansaço

da vida. Talvez nunca desvendem a verdade

das partículas que tu és.

Talvez sejam verbos redentores que esvoaçam na praça

a gritarem sombras a quem passa.


Antes de regressarem ao coração da noite.


24.05.21

BL



sexta-feira, 14 de maio de 2021

Algures entre um voo desamparado



 


Inscrevo os olhos no círculo do tempo

e amaino os ventos

que confundem as palavras.


Desenho auroras de risos claros

como rotas de mel 

sobre as fendas que crescem na verdade dos rostos.


Ouso encher de borboletas incertas

os bolsos vazios do poema


algures entre um  voo desamparado

e o coração fértil

que me prende à terra.


Mas são de sal e silêncio os barcos

que me estendem as mãos.


No outono do mar sou a sede melancólica

e indizível 

um ocaso entediado


no movimento anónimo do corpo.


Corpo anoitecido de sombras e naufrágios

canto de esperas desajeitadas

no dorso noturno das águas plácidas

que me navegam.


BL






domingo, 25 de abril de 2021

Na reinvenção da voz

 


A ventania tolhe a memória

recolhida na linha do arvoredo. Mas as minhas mãos errantes

disfarçam marasmos entorpecidos

enganam fins-de-tarde

dissolvidos no inverno do olhar.


Sorvem o livre movimento das ervas

de onde se ergue a lonjura do tempo

e horizontes antigos abrem-me no corpo

a brevidade do sonho

ou do esquecimento.


Como um silêncio antigo

à procura da sílaba exata na dança dos pássaros

refaço a voz na reinvenção das horas


e vou inscrevendo o crepúsculo e ramos

despidos

nas raízes dos afetos

que me prendem

ao azul inicial da palavra.


BL

01.02.14


sábado, 24 de abril de 2021

Amanhã chegarás mais cedo

 



Amanhã chegarás mais cedo e será quando

a primavera entrar pela janela.

Num instante tudo se sobrepõe à

tempestade de silêncio e

será quando um sonho de palavras

felizes me assombra e me leva embora

:

a tua voz

e a tua ilha no lado de lá

das rugas do mar.


20.04.21

BL


terça-feira, 13 de abril de 2021

Muros



 

A voz do trompete a gemer

na dormência da luz.


Poderá ser o grito da loucura a revolta da

dor

contra a inclemência do caos universal

a trancar o tempo da utopia.


Nos escombros da luz chora o trompete

e a solidão da criança no coração do olhar.


Dir-se-ia uma epifania amarrotada

um silêncio náufrago

cúmplice da salvação sem farol.


E os meus olhos cobertos de sombras devastadas

bloqueados por um mundo em dissonância

procuram um verbo que nos devolva as estradas do mar


e


num lamento de sangue partilhado

evocam fantasmas e demónios

uivos que me consomem

omnipresentes.


BL

13.04.21

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Procura nos lábios a maciez da palavra



 

Suspende a voz

porque não sabe o movimento

que pode ousar.


Procura nos lábios a maciez da palavra

mas tropeça num espaço

onde as consoantes resistem e cegam

a fluidez do gesto e das certezas escorregadias

nos entretantos.


Pouco a pouco percebe

que já não existe o tempo de

ajustar o olhar ao som multiplicado

do virar das páginas.


Para

quase sempre

antes que as palavras já não sejam

as dela

e o céu da boca se incendeie

na semente circular da dúvida circunstancial.


BL

08.04.21

domingo, 28 de março de 2021

Íntima.mente



 

Dentro de mim um caminho

entre as árvores e um aroma

de alfazema.

Nas mãos

um tempo de esperança fugaz

a tecer um desvio à beira

de abismos que passam em dias de musgo.

Na orla do rio

o verde da seiva

a moldar no peito

a luz

onde se abrigam lugares

de ventos generosos.


 28.03.25

BL