sábado, 4 de outubro de 2025

Vidro embaciado

 


 


O espelho não devolve nada.
A pele é uma superfície neutra
onde os dias se encostam
sem deixarem marca.

 

Falo comigo
como quem escreve num vidro embaciado.
A frase desaparece
antes de ser lida.

 

Há um cansaço que não se nomeia
mas que pesa nos ossos
como se o tempo fosse um líquido
sem recipiente.

 

E ainda assim
continuo a vestir-me
como quem espera visitas.





BL

04.10.25












A arte de cair

 




Caí tantas vezes
que aprendi a subir.


O chão é apenas
um lugar de passagem
um ensaio para o voo.


A queda é uma forma de ascensão
quando se cai para dentro
quando se toca o fundo
e se encontra o céu.


Não há erro no salto.
Há movimento.

 

E
no desequilíbrio
há um portal que só os caídos veem.





BL
04.10.25







sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Substantivo

 





Estás aqui
mesmo quando não estás.


A tua ausência tem forma
tem peso
tem sombra.

 

És o paradoxo que me habita:
não és
mas és.
Não estás
mas ocupas.

 

E nesse espaço invisível
existe um mundo inteiro
feito de ti.





BL

03.10.25







Os vãos da memória

 



Tudo o que não se conclui
permanece.


Como o gesto que não se deu
como o voo que falhou
mas deixou rasto de vento.

 

Os vãos da memória
são espaços habitados
por tudo o que não coube no tempo
por tudo o que não se disse
mas se escreveu no corpo.

 

E tu
que escutas o silêncio
sabes:
há beleza no que não se resolve
no que se cala
há linguagem
há presença no que se ausenta.

 

Este é o lugar.


Aqui

entre o sal e a sombra
entre o voo e a queda
entre o louco e o lúcido
a poesia respira

como quem vive entre mundos.





BL

03.10.25