Desarrumou o tempo e
partiu. Desagregou as memórias em pedacinhos minúsculos. Talvez
porque, desse modo, lhe fosse mais fácil retirá-las da pele. Dos
olhos. Dos braços. Do coração. Assim, desintegradas. Caídas no
chão. Lentamente. Uma por uma. Sempre lhe foram um peso, as
memórias. Rodeavam-no de pássaros em fuga. Enchiam-lhe o corpo de
deserto. Nos olhos, um imenso, infindo deserto. Às vezes, recuperava
uma . Ou outra. Polia-a, lapidava-a. Sentava-se numa pedra e, do seu
interior, extraía pensamentos simples. Sorrisos luminosos.
Tranquilos. Ilusórios. Tranquilamente ilusórios. E eu ficava
inteira, dentro da ilusão. Mas, um dia, precisou de partir o tempo. De encher
os olhos de pássaros. De estilhaçar o reflexo. E cobrir o chão de
vidrinhos pontiagudos. Encheu caixas e caixas de tudo. O chão ficou
coberto de vidrinhos pontiagudos. E deixou caixas e caixas cheias de
nada.
Brígida Luz
03.07.17
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