segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Nuances de primavera

 





No tronco da utopia

expio o exílio dos pássaros

sem saber explicar as coisas entranhadas

na noite.

Procuro um diálogo

a madrugada

sim


contudo somente sílabas surdas

envelhecem nas minhas

mãos.


Ser árvore

renascer folhagem ou apenas folha

verde simples céu azul ao fundo

parca de silêncio espesso

nuances de primavera

enfim.



BL

30.10.23





sábado, 28 de outubro de 2023

Sem dores maiores

 




Depois

sem dores maiores

entre silêncios desencontrados

acender o rosto e deixar

que as cores da manhã lhe

inebriem a

pele.


Estender o dia entre cintilações

e memória

estrada de regressos

lugar sem mapa ou fronteiras.


Ser inteira na voz

subterrânea da pele até que

as cicatrizes da espera atravessem

sílabas de possibilidades

na espontaneidade do gesto.


As asas são medo e são noite mas

são prado

e as muralhas portas

arrancadas.




BL

27.10.23




sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Ziguezagueando

 




Deixar passar o vento

escancarar portas e janelas

ser vida na espuma das águas

porto de abrigo em rios de palavras.


Atravessar pontes de desassossego

escutar da alma a melodia

ecos de pássaros ou

luz campestre

harmonia.


Consentir do instante

as certezas improváveis

num caminho de inocência

ou de errantes sombras pressentidas.


Libertar o sol

e

numa pausa do tempo

entre o ventre e a foz

esculpir em silêncio

a gritante mel

ancolia.



BL

26.10.23






terça-feira, 24 de outubro de 2023

O rio onde me invento

 







É lento, é lento

o rio onde me invento

entre o silêncio do verso

e os afagos

de vultos resguardados no tempo.


Escrevo livros fechados ao longo de margens

sem regresso


e enquanto procuro imagens de sóis

nas pedras em que tropeço

decifro a indiferença das águas

e habito barcos em mares que desenho

para lá do horizonte.


E neste rio de outono em que a folha cai

e em asas se sustém

e flutua


só o vento compreende os pássaros

que demandam o sul e transportam

a chama do instante

na sede do seu canto.




BL





quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Canção de outono

 





Como se um pólen de verão

se entregasse ao silêncio

ou gemesse baixinho as sombras

mais densas

a anunciarem a noite.


A folhagem

frenética

dança uma última canção.


Evoca memórias de incêndios

sobre palcos invisíveis

atravessados de ventos

ou de chamas.


Exausta

despede-se da voz dos pássaros

cai delicadamente

a transportar o sol poente.


Como se a luz se recolhesse

breve e mansa

ao fim do dia.


É somente a espuma desvanecida

da vida

o cansaço das árvores

adormecidas

no futuro adiado

do poema.




BL

outubro/23




domingo, 15 de outubro de 2023

Sei desta voz

 







Sei desta voz

que me dá alento.

Fusionamo-nos

o meu nome e eu própria

quando o mesmo chão nos é

acessível



e dispomos o pensamento

e as palavras

pela mesma ordem de

aceitação


e seguimos o mesmo caminho.


Dissolvemos os medos nas

folhas caindo das árvores e nas canções

dos pássaros que brincam

por ali.


Não temos

o meu nome e eu própria

outro propósito que não seja

a negação do vácuo.


Não traçamos planos.

Perdemo-nos em horizontes da tarde

enquanto escutamos a respiração das palavras

sobre o silêncio da terra.




BL

15.10.23






Não sei como dizer-te até breve

 










Não sei como dizer-te
até breve
quando os dias perderam o chão
onde permanecer

e as palavras esqueceram as tardes
de claridade
que esculpiam a maciez das aves
no meu jardim da saudade.

O céu está a mudar de cor
e o eixo
de lugar

e o rio perdeu a noção de espaço
e do movimento certo
e já não corre
leve
para o mar.

Não sei como dizer-te
até breve
nem como escalar a montanha
para voltar a ver o amanhecer
no meu olhar.


BL




quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Neste resto de verão

 






Neste resto de verão

a noite adormece

e para surpresa da lua o poema


cresce.


Podia anunciar um beijo

o teu nome

na brisa


sementes que fomos


os dias breves

voláteis

asas efémeras


o espaço que somos.


Foi só mais um dia

inquilino da memória


e


ao fim e ao cabo

o poema cresce

sem contar a história.


Uma história de sol

que em mim

crepitava


quando era nascente


e em ti já penumbra

a poente

declinava.


Esta história

afinal

aqui é uma ilha.


Sombria

e

monótona


a ninguém maravilha.


BL

11.10.23








terça-feira, 3 de outubro de 2023

Parei num tempo carregado de pedras

 







Parei num tempo carregado de pedras

pertenço a lado nenhum

e planto a palavra escorregadia

na lama em que tornei

o chão que piso.


A vida dói

nas sombras que anoitecem as paredes

no sorriso que não tens

nos gestos invisíveis

que enegrecem as entranhas

no até p’ra semana

em que me morre o dia.


Não houve olhos vendados

nem rugidos de ventos mudos

na placenta que foi minha e tua.


Rasga-nos a desordem dos ciclos

e as folhas de silêncios

que sustêm o grito.



BL