sábado, 6 de dezembro de 2025

Reflexo quebrado

 




corpo de areia  
deserto suspenso  
pele que se desfaz  

corpo de neve  
silêncio branco  
pele que se dissolve  

entre ambos  
aurora sem flores  
ocaso sem raízes  

um olhar  
vidro partido  
tempo que não regressa



BL
06.12.25





quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Onde tudo se torna pó

 



escavo devagar  
a poeira dos dias  
outrora futuro  
agora ossário de gestos  
 
palavras secas  
ou pedras alinhadas  
corpos desfeitos  
bocas que se abrem em silêncio  
 
memórias desprendidas  
caem como folhas  
na aridez da página  
onde tudo se torna lista  
onde tudo se torna pó  



BL
03.12.25






quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Entre o eco e a noite

 





A noite repousa no vazio.

Só eco e distância.

E o presságio de uma memória 

oculta no sopro das palavras.






BL

27.11.25






sexta-feira, 14 de novembro de 2025

O toque turvo

 





E depois há o toque turvo
onde o ser se desfaz em perguntas.

Cada gesto é só um rasto
numa areia que o vento apaga.

O turvo é o lugar da dúvida
onde o claro nunca se fixa.

O tempo lembra-nos
que tudo é breve
até o próprio instante.

Somos ecos que procuram sentido
sombras que se tocam sem se prenderem.

Um sopro que insiste em existir
mesmo sabendo que se vai perder.

E depois há o toque turvo
como se o universo nos dissesse

não há resposta definitiva
há apenas o silêncio que nos envolve.




BL

14.11.25




quarta-feira, 12 de novembro de 2025

O peso de passos invisíveis

 


 




A memória

ergue-se em muros quebrados


onde o musgo escreve nomes esquecidos.

 

Vozes antigas repousam em pedras que guardam

o peso de passos invisíveis.


Como se o gesto tivesse parado

a meio do tempo.

 

Entre as fendas

cresce um silêncio denso


feito de pó

e de sombra.


Um silêncio que respira

como se fosse vivo.

 

Há um espelho partido

reflexos perdidos
onde o passado insiste em permanecer.

 

 

 

 

BL

12.11.25





sábado, 8 de novembro de 2025

Círculos do tempo

 






No centro da memória
um relógio [sem ponteiros]
marca instantes que nunca aconteceram.

 

 As vozes do passado ecoam
em espirais
onde cada palavra se desfaz
antes de ser dita.


Um rio de sombras corre
em sentido inverso
e leva consigo os nomes
que esquecemos.

 

As raízes do tempo entrelaçam-se
no vazio
a bordarem mapas que ninguém sabe ler.

 

Há um silêncio que gira lentamente
como se esperasse por algo
que já foi
mas nunca chegou.





BL
08.11.25









sexta-feira, 7 de novembro de 2025

O tempo fragmentado

 




O tempo fragmentado
escorre por fendas invisíveis
como vidro partido em silêncio.

 

Cada estilhaço guarda um instante
que não regressa
mas continua a arder no escuro.

 

As horas dispersam-se em círculos
perdendo o nome
como se nunca tivessem existido.

 

E no vazio entre os fragmentos
ergue-se uma sombra imóvel
que observa sem princípio nem fim.





BL

07.11.25






quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Rasto de seiva

 






Pisamos o silêncio
das folhas caídas

com o hálito a saber
a alecrim
e sombra.

Nos dedos
um relicário de instantes
que se desfazem
como névoa
ao toque do sol.

Há uma ternura
que se esconde
na dobra secreta
do peito
onde o tempo hesita
antes de seguir.

Talvez murmurem
os salgueiros
segredos antigos
aos ventos que passam

e talvez os pássaros
ao rasar o crepúsculo
tragam nas asas
o eco de promessas
não ditas.

Talvez a luz
que dança
na superfície dos lagos
seja o último gesto
dos dias
antes de se perderem
na eternidade.





BL

06.11.25












Esculturas do vento


 




Sílabas de água

prolongamento

dos instantes.

Grito

ou silêncio

passos esculpidos no vento.

Espaços

ou momentos

de ti de mim

ou de outros

tantos.




BL

06.11.25




quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Caminhos de pó e claridade




 



Suspendo os olhos num tempo
resgatado
para que possa redimir as pedras atravessadas
por sombras e imagens indecifráveis.

 

E deixo que a noite se abra em silêncio
como um rio que procura o mar escondido
entre raízes que guardam memórias
de passos que nunca cessaram.

 

O vento ergue-se em vozes antigas
tecendo caminhos de pó e claridade
onde a esperança repousa intacta
na chama secreta do horizonte.





BL

05.11.25








terça-feira, 4 de novembro de 2025

O eco das águas invisíveis


 



Sílabas de água
deslizam sobre a pele do tempo
como se cada instante fosse um espelho partido.


O vento recolhe passos invisíveis
e grava-os em dunas que respiram
onde o silêncio se confunde com o grito.


E no intervalo entre espaços e momentos
ergue-se uma voz sem dono
que nos chama pelo nome que esquecemos.




BL

04.11.25







Instância mínima






 

não é forma
nem fundo


a dobra
entre o antes
e o quase


um traço
sem direção


um tempo
que não se sabe
tempo


e
no entanto
pulsa

como se o vazio
tivesse nervos


como se o silêncio
tivesse vértebras


instância
mínima


não é pergunta
não é resposta


o intervalo
entre ambas


o que vibra
sem som


o que se move
sem gesto


o que se repete
sem ter sido


há um lugar
onde o centro
não cabe


onde o nome
se desfaz
antes de nascer


onde o corpo
é hipótese


e tudo o que é
não é mais
do que

a sombra
do que
não foi


instância
mínima


a memória
do que não tem
memória


a linha
que não toca
o papel


a ideia
que não se pensa


a luz
que não se vê


tantas
realidades
nunca
se formarão


nesta
instância
mínima


[o sentido
escorre
antes
do contorno]







BL

04.11.25







segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Vazio


 






não é ausência.
é o que sobra quando tudo parte.


um centro sem contorno.
um eco sem origem.


não se toca.
não se nomeia.
mas está.
sempre.

entre o gesto e o arrepio.
entre o som e o silêncio.
entre o antes e o nunca.


vazio.
não é falta.
é excesso de nada.

um lugar onde o tempo se curva.
onde o corpo se esquece.
onde o pensamento se desfaz.


não cabe no poema.
mas o poema cabe nele.

[há um espaço onde tudo se cala
e esse espaço tem o nome que não dizemos.]







BL

03.11.25







domingo, 2 de novembro de 2025

Lugar inconfesso

 





Há um lugar que não se nomeia
feito de sal e silêncio
onde a noite se deita no corpo
como um animal ferido.


Ali os dias não passam
eles rasgam
bordam agulhas na pele da água
à espera de um vento que saiba rezar.


Escrevo com os ossos
com o lume que resta nos dedos
com a sombra que a memória
projeta sobre o chão da ausência.


Tu és o verbo que não se conjuga
a raiz que não dorme
o altar onde os sonhos
se oferecem sem retorno.


Às vezes respiro como quem arde
como quem acende a noite
com um sopro de faíscas
vindas de um beijo antigo.


E há uma força que me puxa
para longe do abismo
mas deixa em mim
o eco do precipício.


Faço pactos com o escuro
juro com sangue
a flor breve do amanhecer
enquanto o dia me obriga a existir.


Hoje desabituei o teu nome
lavei as palavras no esquecimento
e convoquei o sono
para apagar o lugar onde resistes






BL

02.11.25













sábado, 1 de novembro de 2025

Na margem do silêncio

 








é o sopro da noite
rasgando o véu da memória
onde o silêncio se enrosca.


o amor assim se acende e assim se apaga:
na vertigem dos gestos por dizer
e no eco das vozes que não voltam.


que mais esperar?







BL

01.11.25




















segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Quando a terra esquecer os nomes das raízes

 



Um dia
quando os espelhos deixarem de reconhecer os rostos
e os dias forem apenas ecos de passos antigos

hei de guardar um gesto intacto
para consolar os lugares onde nunca estivemos.


Então
talvez entenda os olhos que se fecham
antes de ver o mar

e os corpos que se deitam
como se esperassem por uma estação que não vem.


Há memórias que se desfazem sem dor
como a poeira nas asas de um inseto
ou o som que se perde
numa casa sem janelas.





BL

27.10.25







sábado, 25 de outubro de 2025

A sombra do candeeiro


 




Acendes o candeeiro da sala
mas a luz não chega
ao fundo dos teus olhos.


As fotografias tortas na estante
sorriem com dentes de papel.


E tu
finges que não ouves
o ranger da madeira
sempre que te sentas
no sofá da infância.

Lá fora
o portão enferrujado ainda geme
com o vento
como se chamasse por ti.


Mas tu não vais
não atravessas o jardim seco
nem pisas as folhas
que guardam os passos
que não deste.


Ficas
na penumbra do corredor
onde o tempo se dobra
como lençóis esquecidos.


E pensas que ninguém repara
pensas que és invisível
mas até o silêncio
te denuncia.


Essa casa que (não) habitas
já não te pertence
foi-se com os verões
em que corrias descalço.


Agora só restam
paredes que te olham
e um espelho
que já não devolve
o teu rosto.




BL

25.10.25