corpo de areia
deserto suspenso
pele que se desfaz
corpo de neve
silêncio branco
pele que se dissolve
entre ambos
aurora sem flores
ocaso sem raízes
um olhar
vidro partido
tempo que não regressa
BL06.12.25
corpo de areia
deserto suspenso
pele que se desfaz
corpo de neve
silêncio branco
pele que se dissolve
entre ambos
aurora sem flores
ocaso sem raízes
um olhar
vidro partido
tempo que não regressa
BL06.12.25
escavo devagar a poeira dos dias outrora futuro agora ossário de gestos palavras secas ou pedras alinhadas corpos desfeitos bocas que se abrem em silêncio memórias desprendidas caem como folhas na aridez da página onde tudo se torna lista onde tudo se torna pó
BL03.12.25
A noite repousa no vazio.
Só eco e distância.
E o presságio de uma memória
oculta no sopro das palavras.
BL
27.11.25
E depois há o toque turvo
onde o ser se desfaz em perguntas.
Cada gesto é só um rasto
numa areia que o vento apaga.
O turvo é o lugar da dúvida
onde o claro nunca se fixa.
O tempo lembra-nos
que tudo é breve
até o próprio instante.
Somos ecos que procuram sentido
sombras que se tocam sem se prenderem.
Um sopro que insiste em existir
mesmo sabendo que se vai perder.
E depois há o toque turvo
como se o universo nos dissesse
não há resposta definitiva
há apenas o silêncio que nos envolve.
BL
14.11.25
A memória
ergue-se em muros quebrados
onde o musgo escreve nomes esquecidos.
Vozes antigas repousam em pedras que guardam
o peso de passos invisíveis.
Como se o gesto tivesse parado
a meio do tempo.
Entre as fendas
cresce um silêncio denso
feito de pó
e de sombra.
Um silêncio que respira
como se fosse vivo.
Há um espelho partido
reflexos perdidos
onde o passado insiste em permanecer.
BL
12.11.25
O tempo fragmentado
escorre por fendas invisíveis
como vidro partido em silêncio.
Cada estilhaço guarda um instante
que não regressa
mas continua a arder no escuro.
As horas dispersam-se em círculos
perdendo o nome
como se nunca tivessem existido.
E no vazio entre os fragmentos
ergue-se uma sombra imóvel
que observa sem princípio nem fim.
BL
07.11.25
Pisamos o silêncio
das folhas caídas
com o hálito a saber
a alecrim
e sombra.
Nos dedos
um relicário de instantes
que se desfazem
como névoa
ao toque do sol.
Há uma ternura
que se esconde
na dobra secreta
do peito
onde o tempo hesita
antes de seguir.
Talvez murmurem
os salgueiros
segredos antigos
aos ventos que passam
e talvez os pássaros
ao rasar o crepúsculo
tragam nas asas
o eco de promessas
não ditas.
Talvez a luz
que dança
na superfície dos lagos
seja o último gesto
dos dias
antes de se perderem
na eternidade.
BL
06.11.25
Sílabas de água
prolongamento
dos instantes.
Grito
ou silêncio
passos esculpidos no vento.
Espaços
ou momentos
de ti de mim
ou de outros
tantos.
BL
06.11.25
Suspendo os olhos num tempo
resgatado
para que possa redimir as pedras atravessadas
por sombras e imagens indecifráveis.
E deixo que a noite se abra em silêncio
como um rio que procura o mar escondido
entre raízes que guardam memórias
de passos que nunca cessaram.
O vento ergue-se em vozes antigas
tecendo caminhos de pó e claridade
onde a esperança repousa intacta
na chama secreta do horizonte.
BL
05.11.25
Sílabas de água
deslizam sobre a pele do tempo
como se cada instante fosse um espelho partido.
O vento recolhe passos invisíveis
e grava-os em dunas que respiram
onde o silêncio se confunde com o grito.
E no intervalo entre espaços e momentos
ergue-se uma voz sem dono
que nos chama pelo nome que esquecemos.
BL
04.11.25
não é forma
nem fundo
a dobra
entre o antes
e o quase
um traço
sem direção
um tempo
que não se sabe
tempo
como se o vazio
tivesse nervos
como se o silêncio
tivesse vértebras
instância
mínima
não é pergunta
não é resposta
o intervalo
entre ambas
o que vibra
sem som
o que se move
sem gesto
o que se repete
sem ter sido
há um lugar
onde o centro
não cabe
onde o nome
se desfaz
antes de nascer
onde o corpo
é hipótese
e tudo o que é
não é mais
do que
a sombra
do que
não foi
instância
mínima
a memória
do que não tem
memória
a linha
que não toca
o papel
a ideia
que não se pensa
a luz
que não se vê
tantas
realidades
nunca
se formarão
nesta
instância
mínima
[o sentido
escorre
antes
do contorno]
BL
04.11.25
não é ausência.
é o que sobra quando tudo parte.
um centro sem contorno.
um eco sem origem.
não se toca.
não se nomeia.
mas está.
sempre.
entre o gesto e o arrepio.
entre o som e o silêncio.
entre o antes e o nunca.
vazio.
não é falta.
é excesso de nada.
um lugar onde o tempo se curva.
onde o corpo se esquece.
onde o pensamento se desfaz.
não cabe no poema.
mas o poema cabe nele.
[há um espaço onde tudo se cala
e esse espaço tem o nome que não dizemos.]
BL
03.11.25
Há um lugar que não se nomeia
feito de sal e silêncio
onde a noite se deita no corpo
como um animal ferido.
Ali os dias não passam
eles rasgam
bordam agulhas na pele da água
à espera de um vento que saiba rezar.
Escrevo com os ossos
com o lume que resta nos dedos
com a sombra que a memória
projeta sobre o chão da ausência.
Tu és o verbo que não se conjuga
a raiz que não dorme
o altar onde os sonhos
se oferecem sem retorno.
Às vezes respiro como quem arde
como quem acende a noite
com um sopro de faíscas
vindas de um beijo antigo.
E há uma força que me puxa
para longe do abismo
mas deixa em mim
o eco do precipício.
Faço pactos com o escuro
juro com sangue
a flor breve do amanhecer
enquanto o dia me obriga a existir.
Hoje desabituei o teu nome
lavei as palavras no esquecimento
e convoquei o sono
para apagar o lugar onde resistes
BL
02.11.25
é o sopro da noite
rasgando o véu da memória
onde o silêncio se enrosca.
o amor assim se acende e assim se apaga:
na vertigem dos gestos por dizer
e no eco das vozes que não voltam.
que mais esperar?
BL
01.11.25
Um dia
quando os espelhos deixarem de reconhecer os rostos
e os dias forem apenas ecos de passos antigos
hei de guardar um gesto intacto
para consolar os lugares onde nunca estivemos.
Então
talvez entenda os olhos que se fecham
antes de ver o mar
e os corpos que se deitam
como se esperassem por uma estação que não vem.
Há memórias que se desfazem sem dor
como a poeira nas asas de um inseto
ou o som que se perde
numa casa sem janelas.
BL
27.10.25
Acendes o
candeeiro da sala
mas a luz não chega
ao fundo dos teus olhos.
As fotografias
tortas na estante
sorriem com dentes de papel.
Lá fora
o portão enferrujado ainda geme
com o vento
como se chamasse por ti.
Mas tu não vais
não atravessas o jardim seco
nem pisas as folhas
que guardam os passos
que não deste.
Ficas
na penumbra do corredor
onde o tempo se dobra
como lençóis esquecidos.
E pensas que
ninguém repara
pensas que és invisível
mas até o silêncio
te denuncia.
Essa casa que (não)
habitas
já não te pertence
foi-se com os verões
em que corrias descalço.
Agora só restam
paredes que te olham
e um espelho
que já não devolve
o teu rosto.
BL
25.10.25