terça-feira, 20 de setembro de 2022

Por esses dias






Chegaste tu

e deste-me a palavra.

Não era para ser assim

porque eu ainda não sabia articular

os meses da primavera. Quando

aprendi a juntar as letras da

primeira palavra

já era demasiado tarde porque

entretanto

caía uma desgastante tempestade

de granizo

que reduziu a cinzas

todas as letras que

por esses dias

já me tinham sido confiscadas.


BL

20.09.22




 

No silêncio que me digo






Digo-me do silêncio das árvores 

de um céu pintado de frutos e de cores que não chegaram

a amanhecer


de navios carregados de monólogos surdos

cúmplices dos sonhos 

e das esperanças

que em cinzas caíram a meus pés

sussurrando vozes perdidas no cais


de esboços e representações

memórias de súplicas

e de soluços

irónicas sedas nos meus areais.


E no silêncio que me digo entendo

a interdita agonia das pétalas

e dos corais


a indefinível distância dos recantos

onde nasci onde morri

e hoje sou

um tudo nada

dentro de mim.




BL

20.12.2010










domingo, 18 de setembro de 2022

(Re)nascer em ti





 Encontrei-te e

no fogo de ti

fecundei a vida

e em mim renasci.


Em ti

escrevi o poema,

reconstruí os caminhos,

alicercei a casa.


Abraça o meu sorriso,

mima-o,

ama-nos

no azul do teu olhar,

na lonjura do teu leito.


Canta-me

as melodias de luz

do teu horizonte

sonhado na infinitude

de um tempo suspenso.


BL











segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Viajar entre versos







 Passo

e vou deixando

ecos de mim em todos os espelhos.

Ficam olhares presos nos tempos,

a pele colada a relógios 

que perdem a noção do espaço

e do movimento certo

e começam a rodar no sentido inverso.

Desvendo-me toda,

célula por célula,

entrego a minha essência a quem quiser lê-la.

Sabendo quem sou

e para onde vou,

suspendo-me em versos em que lavo a alma,

em busca do êxtase,

ou tão simplesmente, de uma doce calma.


Regresso,

quase sempre entre sentires desencontrados,

etérea, mendiga,

sedenta, isso sim, de uma mão amiga

dispersa,

esbatida em reflexos desfocados.



BL








quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Poalhas difusas

 




As sombras do teto a passarem

num dia de madeira.


Sinto-as

na frieza de uma língua impronunciável

aquelas poalhas

difusas e determinadas.


Riem

as cobardes

fazem a festa do fogo porque

todo o corpo me dói


e atiro um poema

contra a parede.


Fogem pirilampos

assustados

e eu penumbra confusa

e eu em queda

a tropeçar

na solidão.


Condenam-me

confinam-me

sabem que somente conseguem

enfrentar-me

quando me trancam

sem ar

para respirar.


Não sabem

as cobardes

que

das palavras

não me podem isolar.





BL

 27.08.22