terça-feira, 1 de julho de 2025

Mais de água do que de pedra

 






Um refúgio

à margem

do silêncio.

Mais de água

do que de pedra.

Que molde

dissolva

transporte.

Talvez uma busca

pelo coração secreto

da casa primordial.

Um rio fluido

que não escape entre os dedos.

Beleza líquida

feita de vento e memória

neste lado do tempo.

Um reencontro de palavras

pele

e sal

como quem guarda um frasco de mar

à espera da próxima onda.





BL

01.07.25







Auscultação da ausência

 




havia uma brisa

suspensa no limiar da espuma.

e um eco

circular

a transportar o voo dos pássaros.



um murmúrio.

tão vago.



e a ausência



liquefeita



entre a curva

do teu silêncio.



o tempo gotejava

das minhas mãos quietas

musgos acesos de sombra.




BL

01.07.25

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Arquivos líquidos do corpo

 






Os dedos passam pela pele da água

e esquecem que são corpo.

Escuto.

É a infância

a sede

os nomes de quem partiu

sem dizer adeus.



Há vozes que só a água entende.



Pulsam

na vibração dos gestos que permanecem

transfigurados.



Tenho rios por dentro

estações que não chegaram a acontecer

e um mar antigo

que se move

quando fecho os olhos.



Há vozes que só a água guarda.



O sal sabe histórias do meu nome

antes de mim.



Cada lágrima é um mapa.



O corpo lê-se em camadas de sal.

As quedas

os toques

as ausências que molharam os ossos.



Há palavras que não sabem ser ditas.



Guardam-se

entre vértebras de silêncio

onde a água decanta a dor

escrita por dentro.






BL

30.06.25









domingo, 29 de junho de 2025

Liturgias do silêncio







Em cada silêncio

um olhar suspenso

espiral de sombra e resina.


Linguagens oblíquas a dormirem

no dorso da luz.


Nomes de outrora

peixes de papel

a desabarem no hálito do tempo.


Os passos progridem

fendas na terra onde crescem

flores de ausências.


Lugares antigos de pele

e de instantes


ecos translúcidos

quase canto

quase cinza.


E aquilo que perdura

afunda-se em presságio.






BL

29.06.25









sexta-feira, 27 de junho de 2025

Ladainha do corpo aceso

 







Diz

corpo

onde começa o incêndio.



Diz

boca

o nome que queimaste.



Diz

pele

onde mora a ausência.



Arde.

Arde o que se cala.

Arde o que se lembra.



Repete

terra

a dor dos passos.



Repete

vento

o sopro que fugiu.



Repete

tempo

aquilo que não cede.



Arde.

Arde a voz.

Arde o toque.

Arde o altar do silêncio.



Clama

peito

por um céu que não responde.



Clama

gesto

por um fim que se recuse.



E o que sobra

reza.






BL

27.06.25








quarta-feira, 25 de junho de 2025

Cartografia do adeus

 







Existem palavras que ardem

antes de serem pronunciadas.


O teu nome.


Dentro do teu nome

comecei a riscar

as margens do mundo.


Com a caneta embriagada

de ausência

e a luz desligada

pela pressa dos dias.


A manhã encostava-se

às paredes


como um animal faminto

perdido entre a memória

e o instinto.


Nenhuma teoria me valeu.

Nem Freud

nem mapa astral.


O amor não cabe em esquemas

nem a dor se resolve

por equações.


Aprende-se tudo ao contrário.


Primeiro o fim

depois o presságio.


E entre os dois

o fumo


a engolir os pulmões

devagar

como quem aprende a morrer

por dentro.


Dizem que se pode morrer

de sede

no meio do mar.


Eu morri

de ti

com todas as letras

que te escrevi

e

    que

            nunca

                       soubeste

                                        ler.






BL

25.06.25

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Entre a raiz e o céu

 




Moves-te entre sopros de tempo

e frases suspensas

às vezes distraído com mil ruídos

num compasso de incerteza

e desassossego.


Caminhas entre a raiz e o céu

seiva invisível entre as margens

do que és

e do que te sonhas.


Respiras a memória dos retratos

vidro líquido

lume aceso em lareira de sílabas

para que o verbo se desfaça

e volte a ser semente.


E eu

guardiã de murmúrios

esperarei por ti

com um espaço guardado no tempo


como quem bebe um silêncio morno

ao fim do dia.




BL

23.06.25