quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Caminhos de pó e claridade

 



Suspendo os olhos num tempo
resgatado
para que possa redimir as pedras atravessadas
por sombras e imagens indecifráveis.

 

E deixo que a noite se abra em silêncio
como um rio que procura o mar escondido
entre raízes que guardam memórias
de passos que nunca cessaram.

 

O vento ergue-se em vozes antigas
tecendo caminhos de pó e claridade
onde a esperança repousa intacta
na chama secreta do horizonte.





BL

05.11.25








terça-feira, 4 de novembro de 2025

O eco das águas invisíveis

 



Sílabas de água
deslizam sobre a pele do tempo
como se cada instante fosse um espelho partido.


O vento recolhe passos invisíveis
e grava-os em dunas que respiram
onde o silêncio se confunde com o grito.


E no intervalo entre espaços e momentos
ergue-se uma voz sem dono
que nos chama pelo nome que esquecemos.




BL

04.11.25







Instância mínima

 

não é forma
nem fundo


a dobra
entre o antes
e o quase


um traço
sem direção


um tempo
que não se sabe
tempo


e
no entanto
pulsa

como se o vazio
tivesse nervos


como se o silêncio
tivesse vértebras


instância
mínima


não é pergunta
não é resposta


o intervalo
entre ambas


o que vibra
sem som


o que se move
sem gesto


o que se repete
sem ter sido


há um lugar
onde o centro
não cabe


onde o nome
se desfaz
antes de nascer


onde o corpo
é hipótese


e tudo o que é
não é mais
do que

a sombra
do que
não foi


instância
mínima


a memória
do que não tem
memória


a linha
que não toca
o papel


a ideia
que não se pensa


a luz
que não se vê


tantas
realidades
nunca
se formarão


nesta
instância
mínima


[o sentido
escorre
antes
do contorno]







BL

04.11.25







segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Vazio

 




não é ausência.
é o que sobra quando tudo parte.


um centro sem contorno.
um eco sem origem.


não se toca.
não se nomeia.
mas está.
sempre.

entre o gesto e o arrepio.
entre o som e o silêncio.
entre o antes e o nunca.


vazio.
não é falta.
é excesso de nada.

um lugar onde o tempo se curva.
onde o corpo se esquece.
onde o pensamento se desfaz.


não cabe no poema.
mas o poema cabe nele.

[há um espaço onde tudo se cala
e esse espaço tem o nome que não dizemos.]







BL

03.11.25







domingo, 2 de novembro de 2025

Lugar inconfesso

 




Há um lugar que não se nomeia
feito de sal e silêncio
onde a noite se deita no corpo
como um animal ferido.

Ali os dias não passam
eles rasgam
bordam agulhas na pele da água
à espera de um vento que saiba rezar.

Escrevo com os ossos
com o lume que resta nos dedos
com a sombra que a memória
projeta sobre o chão da ausência.

Tu és o verbo que não se conjuga
a raiz que não dorme
o altar onde os sonhos
se oferecem sem retorno.

Às vezes respiro como quem arde
como quem acende a noite
com um sopro de faíscas
vindas de um beijo antigo.

E há uma força que me puxa
para longe do abismo
mas deixa em mim
o eco do precipício.

Faço pactos com o escuro
juro com sangue
a flor breve do amanhecer
enquanto o dia me obriga a existir.

Hoje desabituei o teu nome
lavei as palavras no esquecimento
e convoquei o sono
para apagar o lugar onde resistes.





BL

02.11.25













sábado, 1 de novembro de 2025

Na margem do silêncio

 







é o sopro da noite
rasgando o véu da memória
onde o silêncio se enrosca.


o amor assim se acende e assim se apaga:
na vertigem dos gestos por dizer
e no eco das vozes que não voltam.


que mais esperar?







BL

01.11.25




















segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Quando a terra esquecer os nomes das raízes

 



Um dia
quando os espelhos deixarem de reconhecer os rostos
e os dias forem apenas ecos de passos antigos

hei de guardar um gesto intacto
para consolar os lugares onde nunca estivemos.


Então
talvez entenda os olhos que se fecham
antes de ver o mar

e os corpos que se deitam
como se esperassem por uma estação que não vem.


Há memórias que se desfazem sem dor
como a poeira nas asas de um inseto
ou o som que se perde
numa casa sem janelas.





BL

27.10.25