domingo, 17 de novembro de 2024

Os ramos que me crescem longe

 




É tempo de romper o barulho ensurdecedor das pedras

e ser fio de água clara

a correr no silêncio

que se desprende das nuvens;


saber ser a cor do mar

a rimar com o perfume

da madrugada;


semear no vento a voz das marés

a acordar cá dentro

a loucura dos pássaros adormecidos

a calar os uivos feridos do deserto;


escrever horizontes no interior da noite

o poema

a inventar paisagens

em dias de palavras

impossíveis.


Para que o pôr do sol

seja uma manhã inteira

e os ramos que me nasceram

de entranhas de linho

e de fogo

e me crescem longe

floresçam

terra e semente

nos girassóis que plantei

no chão que me habita a casa.





BL

06.04.12








quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Moradas do vento

 




E a pele a respirar reflexos

desse lugar que ainda existe. Como um relâmpago.

Flor breve

onde sonhos se imolaram.


Refazemo-nos em moradas

migratórias do vento

ou num teto de sol.


Reinventamo-nos num voo

de ave embriagada


corporizamos no verbo

um sentir preservado em copas

de memórias.


Somos histórias

de incêndios e de mar.

Habitamos nomes e poemas.

Transportamos nas veias rostos

e olhares


e sem hesitação doamo-los

a um tempo em liberdade

resguardado


na luz coada que ainda

nos pertence.





BL

06.11.24


















sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Em bicos dos pés

 







Descansa; já aprendi.

Ensinaste-me a não chorar por ti

e a olhar o partir e o chegar

como quem espera pelo tempo sentada na soleira da porta.


Ensinaste-me a preencher os espaços vazios dentro dos meus olhos

quando, às cegas, 

percorro aquilo que já não consigo encontrar

dentro de mim.


Mas isso, eu não aprendi.


Continuo a pôr-me em bicos dos pés

para tentar segurar as paredes do tempo.


De vez em quando 

ensaio um sorriso ao silêncio,

sempre ocupado ali no canto mais distante da sala

como se esperasse um buraco a abrir-se no chão

para se desfazer em pó.


Ensinaste-me também

que a solidão pode ser abrir uma porta

e encontrar quilómetros e quilómetros de janelas

e que eu poderia ser metade delas

abertas.


Mas isso, eu também ainda não aprendi.




BL

05.08.13 








domingo, 6 de outubro de 2024

Mutações do azul

 




Recolho-te

no reajuste do silêncio.

E deixo que as mãos toquem os verbos

cúmplices das árvores

e do vento.



Sílabas dispersas

na superfície branca onde afogo

incêndios e monólogos. Vozes

do que foi bússola

em precário equilíbrio.



Tintas frescas

de rostos subterrâneos

ilusória raiz de sonhos na

alucinação da árvore.



Sobressalto.

Rasgo fundo de labirinto

de sombras a antever o crepúsculo

nostálgico no desencantamento do tempo.





BL

06.10.24












sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Morrem as estações

 







Cai a geada em

fissuras da alma

morrem as estações

multiplicamos por mil os refúgios

não sabemos se nos voltamos a ver.


Tropeçamos em amores partindo

soluçamos ombros escorrendo raiva.


Ah, quem estendesse murmúrios de aves

gritos brancos de corpos livres

rios serenos em ascensão!


E agora?


Fere tanto aquele olhar

ausente de colo!


Volta o ranger das palavras

em cima de uma sepultura de mãos

cheias de ausência.






BL

04.10.24









terça-feira, 1 de outubro de 2024

sexta-feira, 20 de setembro de 2024