segunda-feira, 31 de março de 2014

Imprevistas madrugadas



 
 
E talvez hoje me possas dizer

da passagem de uma luz generosa

em que te aceitas vivo e te confundes

com as árvores da manhã.

Caíram sobre o silêncio do rio

imprevistas madrugadas de primavera.

E tudo muda, o vento, o mar,

as terras alagadas. És tu a memória

do mundo, a pele das casas caiadas.

És tu o tempo do teu corpo, a raiz da tua

estrada.

És tu a folha branca e a palavra clara

em que refazes o chão onde tudo se aproxima

dos fascínios adiados dos teus olhos.

 
BL

domingo, 16 de março de 2014

Transcendência




O céu como temporal
sobre o atrito da rua lenta
enquanto escondo o frio
nas mãos
e aqueço as aves
nas palavras.

Todos os dias o sol
a nascer
e eu, ao canto da sombra,

[viagem adiada]

mudez estranha retraída na obscuridade
dos olhos.

Talvez me aguarde o tempo
de transcender numa metáfora
a trajetória
de um corpo quebrado, ofegante
depurado na dimensão triangular
da claridade

e aceitar como um incêndio as águas que caem
por dentro do silêncio espesso
de vozes mutiladas.

Hei de, quem sabe, regressar à memória de Deus
lugar e tempo
que me dói, e que me dói, na chama
que se apaga na sala
e, secretamente insubmissa, me reclama
árvore, pássaro, alma, apenas

seja na ilusão de urgentes nuvens incandescentes
ou na espera incerta da projeção da luz
como imagem da casa.

BL

domingo, 2 de março de 2014

A silente concretude da pedra


Um fio suspenso
a incerteza de um traço
a invisibilidade da voz.

Como um percurso que se substitui
num intervalo mais denso
da mudança. O aparente
movimento de existir.

Gostava de entender
a silente concretude da pedra
nas raízes da noite.
Nem que fosse apenas através
de um filamento de pássaros
gelo a diluir-se no tempo
ou uma chama débil
a iluminar-me os olhos vastos de sede
da primeira água da manhã.



BL